Os guardas trajados com pesadas armaduras escarlates abriram passagem para o homem de pele bronzeada e manto cinza esfarrapado se aproximar e se ajoelhar perante o trono de ouro.
Os conselheiros de pé sobre as escadas que levavam ao assento real o fuzilavam com olhares críticos e desconfiados, mas nenhum se comparava ao de sua temida soberana, conhecida pelo povo como a Rainha de Sangue.
Ivanna, contudo, era o nome verdadeiro dela. Ivanna Allheim. Aric tinha ouvido tudo quanto era rumores sobre ela e, mesmo assim, sentira-se petrificado quando ela desceu os olhos vítreos escarlates, como lava enclausurada em pequenos globos, sobre o homem.
- Levante-se - ela ordenou, sua voz uma mistura da famosa doçura feminina com a rigidez de um cavaleiro. Os boatos de que a Rainha de Sangue havia participado diretamente de campos de batalha eram intensificados pela espada prateada que carregava na cintura delineada.
Aric contorceu os lábios para manter a expressão neutra. Como ela era bonita! Linda e feroz. Seus cabelos pretos como cataratas de piche desciam sobre seus ombros com perfeita simetria, contrastando com o seu vestido cor de vinho adornado por uma faixa negra que descendia de seu ombro. Na faixa, inúmeros corvos dourados voavam pela infinita escuridão. O símbolo de seu reinado e de sua Legião Escarlate.
- Apresente-se - disse a rainha, a voz imperativa digna de uma governante.
- Tenho muitos nomes, Vossa Majestade, dentre eles o de Aric, de Lernan, que tenho certeza de que Vossa Majestade já ouvira falar do impetuoso guerreiro das terras do leste.
- Do assassino, você quer dizer - sibilou um conselheiro raquítico de nariz adunco. Em seguida, direcionou-se para sua rainha, o tom de voz não tão ameno quanto antes - Já ouvimos histórias sobre ele, Vossa Majestade. Sobre os guerrilheiros que matam e pilham pelo mínimo de dinheiro que os governantes daquelas terras anárquicas oferecem.
Aric sorriu displicentemente. Ivanna se endireitou no trono, fixando-o o olhar carmesim no mercenário.
- O que deseja tão distante de casa, senhor Aric de Lernan? - ela perguntou.
- Vim lhe fazer uma proposta, Vossa Majestade. Sei que este reino foi palco de muitas disputas até poucos anos atrás e sei que há muitos sussurros sobre novos e velhos conspiradores.
- Independentemente dos sussurros que ouvira pelas estradas, senhor Aric, garanto-lhe que sei bem suprimir a escória quando ela ousa se contorcer.
- Sei disso muito bem, Vossa Majestade. A fama da Rainha de Sangue a precede em muitos reinos.
Um soldado nos degraus do assento de cabelos grisalhos se remexeu, apertando a mão enluvada sobre o punho de couro de sua espada.
- Cuidado como fala, mercenário - cuspiu o cavaleiro.
- Apenas digo os fatos murmurados pelos vilarejos e estradas de Zarkavia. Não tenho intenção de insultar Sua Majestade.
- Seja direto, andarilho - ordenou a rainha - Diga o que pretende oferecer.
Aric se empertigou e engoliu saliva antes de pronunciar:
- Eu ofereço os meus serviços para que Vossa Majestade não tenha mais que se preocupar com vossos inimigos. Permita-me que eu traga a cabeça de seus conspiradores em troca apenas de um quarto com uma boa cama e uma mesa farta de comida.
Os conselheiros se entreolharam e depois caíram em gargalhada.
- Vossa Majestade - disse o homem de nariz adunco, ainda aos risos - poderia nomeá-lo bobo da corte que seria muito mais útil para esse insolente com ares de herói.
Ivanna continuava a encarar o mercenário de cabelos castanhos dourados e barba por fazer. O ar soberano que exalava atingiu aos conselheiros risórios, que imediatamente se calaram.
- Como você, um homem apenas, poderia ser útil para o meu trono? Já tenho a minha legião para me defender e me relatar os mais diversos problemas com precisão e urgência.
- Entendo as suas dúvidas, Vossa Majestade, mas trago algo que possa atestar as minhas habilidades, mesmo como um só indivíduo.
Aric estalou os dedos e um pajem surgiu apressado, com uma expressão de repulsa no rosto e carregando com as duas mãos um saco de couro. Ele o entregou para o cavaleiro, que o abriu. Se o que tinha visto o abalou, habilmente não demonstrou.
- Vossa Majestade - começou o cavaleiro - Essa é a cabeça do duque Boningan.
Lentamente, a rainha esticou sua mão decorada com anéis cintilantes na direção do cavaleiro. Ele entregou a sacola e ela observou o seu interior por longos e demorados segundos. Os conselheiros ficaram apreensivos quando ela voltou os olhos flamejantes para o mercenário.
- Como o encontrou? Faz dois anos que ele desapareceu.
Aric sorriu.
- Não foi uma tarefa fácil, mas sabia que chamaria a sua atenção. O submundo de Zarkavia sussurra segredos que não são muito ouvidos, ou até mesmo ditos, pelos seus legionários. Contudo, para um párea de renome como eu, há um leque de possibilidades.
Ivanna entregou o saco de volta para o pajem, que prontamente fez uma reverência e se retirou do salão.
- Diga-me o que você quer.
- Fui sincero quando disse que apenas quero um lugar confortável para dormir e comida sem falta. Não sou um homem de almejar títulos ou terras. O necessário já me é o suficiente.
Um conselheiro baixinho e gorducho sussurrou no ouvido da rainha e ambos começaram uma discussão sussurrada até que, por fim, ela declarou:
- Então, senhor Aric. Se deseja servir em minha corte, primeiramente deve provar seu valor. Trazer a cabeça de Boningan foi uma ideia astuta, mas não o suficiente para lhe garantir um lugar na minha sociedade. Não construí um reino confiando em qualquer um, principalmente um estrangeiro com passado obscuro. Por isso, vou lhe dar uma missão e se a cumprir, aceitárei-lo no meu castelo de braços abertos.
- Qualquer coisa, Vossa Majestade.
Aric poderia jurar ver o lampejo de um sorriso rapidamente iluminar a face alva da rainha.
- Quero que mate um homem por mim.
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Rainha de Sangue
FantasiaNa distante terra de Zarkavia, onde as montanhas se erguiam majestosas e os rios serpenteavam como veias de prata, reinava uma soberana cujo nome era sussurrado com temor: Rainha Ivanna, conhecida por todos como Rainha de Sangue. Sua ascensão ao tro...