JANTAR DE CORTEJO

3 1 1
                                    

Vinho

Adelaide nunca teve o coração bondoso, não era gentil, nem mesmo simpática, não entendia por que estava ajudando a humana, mas estava curiosa. Curiosa com sua presença, curiosa com sua partida. Curiosa, apenas curiosa.

Ao entrar, o feitiço foi ativado, o lado de dentro não era como um navio, mas sim como um castelo. O ar medieval lhe arrancava suspiros ao mesmo tempo que uma sensação horrível no fim da garganta se formava.

Foi para o salão de jantar, sem olhar para trás, sem esperar pela companhia, tinha confiança que seria seguida. Era isso ou uma das duas estaria em riscos.

A vampira sabia que devia tomar cuidado, viveu anos suficiente para conhecer diversos seres. Ela sabia por que a outra era humana e ainda conseguia estar ali sem permissão alguma, ela não precisava de permissão.

Nenhuma delas precisavam, bruxas tinham o dom de se infiltrar em qualquer canto do mundo, principalmente as mais cruéis delas.

A cadeira foi puxada, arrastada no chão, como se um peso morto já estivesse preenchendo o lugar. Adelaide se sentou, era a cadeira do meio, na ponta, distante. Muito distante.

Lyse tinha um cheiro viciante e não era só seu sangue, tinha algo a mais... sempre tinha.

Adelaide esticou seu braço e com um gesto majestoso indicou com a mão onde era para a humana se sentar.

— Aceita vinho? — Lyse olhou para a taça, o tom de vermelho vivo, seu estômago embrulhou.

— Água, por favor — Adelaide sorriu, a língua entre os dentes, perverso demais.

— Não bebe? — com apenas um sinal de mão alguém serviu a água para a convidada.

— Não vinho — Lyse bebeu um gole da água, não havia reparado o quanto estava com sede.

— Não gosta de vermelho? — Adelaide bebeu todo o líquido da taça em um gole, traçou sua língua pela borda do copo, pedindo por mais.

— Não gosto que me desrespeite — Lyse foi firme em sua resposta, mas manteve seu sorriso gentil no rosto.

— Muito bem. Vamos ao que interessa — Adelaide bebeu mais um gole de vinho da sua taça que foi enchida novamente.

— Claro — Lyse confirmou com a cabeça.

— Como veio parar justamente aqui? — os olhos da vampira estavam claros, quase roxos.

Mas, ainda assim, Lyse sentiu seu corpo inteiro arrepiar, porque não sabia a resposta.

•••

Água

Era fácil demais dar respostas atrevidas quando estava na ponta da língua, já ensaiada para alguma ocasião, pronta para sair, escorrer como veneno pelos cantos da boca.

Mas Lyse nunca teve esse problema antes, nunca cogitou, não errava, era difícil acreditar, difícil aceitar.

Sabia que já havia errado e pagava esse preço todos os dias, não importava em qual período do dia, de manhã, tarde ou noite. Ela sabia o peso das suas próprias angústias, mas não com seus feitiços, não depois de séculos.

A vampira pigarreou, esperando por uma resposta, a garganta seca, sedenta para sanar sua curiosidade.

— Meu feitiço deu errado — custava admitir, era um pouco orgulhosa. Orgulhosa demais até para admitir seu orgulho.

— Então é uma bruxa. Sabe o que é esse navio? — a primeira sentença foi uma afirmação, uma acusação. Lyse não tinha certeza se gostou desse apontamento.

Era bruxa sim, não escondia, falava de cabeça erguida e sorriso no rosto, mas soou frio demais da boca da outra mulher. Mulher que ainda nem sabia o nome.

— Sei que é um navio. O que tem demais? — estava mentindo e sabia que era uma mentira, porque soluçava todas as vezes que cometia tal ato. Bebeu um gole de água.

Mas não era só por isso, sabia que não era apenas um navio pelo lado de dentro, qualquer um que entrasse notaria. Navio nenhum é um castelo do lado de dentro.

— Não minta, Lyse — os olhos da vampira ficaram um pouco mais escuros, violetas. Ainda não era vermelho, era um bom sinal. O nome foi rosnado, entre dentes.

Lyse nunca admitiria, mas sentiu algo ao ouvir seu nome ser pronunciado. Tão profano, selvagem.

— O que quer que eu diga, afinal? — Lyse se sentiu tentada a beber um pouco do vinho, mas olhou para os fios brancos com algumas gotas de carmesim a sua frente e se negou a tomar.

— Você sabe o quê — era verdade. Lyse sabia.

O navio carrega uma maldição, podia sentir o poder romper por todos seus poros. Era avassalador.

— A maldição — seu tom de voz saiu sussurrado.

Lua de Sangue - AdelaideOnde histórias criam vida. Descubra agora