FLAUTA DOS ANJOS

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Lua

Adelaide não estava perto o suficiente para ver, mas seus olhos vermelhos, que só ficam assim em sinal de ataque, tinham habilidades especiais, qualquer um, em qualquer lugar, em seu navio, não passava despercebido.

De dia ou à noite, Adelaide estava sempre de olho na movimentação e Ângelo, seu braço direito, era seu terceiro olho.

Era impossível alguém pisar em seu convés sem que notasse, por essa razão, assim que a mulher surgiu, de repente, como se viesse do além, no Redenção, Adelaide notou e sentiu uma fúria passar por todo seu corpo.

Não era possível que, um karma como aquele, fosse possível.

O vestido florido não chegava até o tornozelo, os ombros também estavam expostos, algo rebelde demais para época, mas atraente demais para Adelaide que também cometia tal ato.

A mulher tinha a pele morena, olhos castanhos redondinhos, cachos enormes e confusão em seu rosto, sua roupa era num tom de verde tão claro que quase não dava para ver na noite.

A vampira não fez nenhuma menção de se mexer, porque Ângelo já estava de prontidão para caso alguma coisa acontecesse.

Humanos no navio não era algo raro, já que todos, exceto Adelaide e seu corvo, eram humanos, fracos e desesperançosos, ainda assim humanos.

Ângelo não precisava de armas, mas empunhava uma baioneta, afiada que só ao toque garantia algumas gotas do doce sangue de um inocente.

A mulher surgiu do nada, ela era humana, mas não normal. Mas afinal, quem ali era? Escolheram essa eternidade de solidão até a morte como uma auto punição pelos pecados que cometeram ou, no caso de alguns, que deixaram de cometer.

— Quem é você? —a voz ecoou, tão dura como pedras no peito fazendo um corpo afundar.

A mulher que estava de costas para direção que a voz veio, se virou, uma mecha do seu cabelo, um cacho isolado, tampando seu olho esquerdo.

Adelaide semicerrou os olhos e deu um passo para frente, no que toda a tripulação deu um passo para trás, Ângelo voltando a ser corvo e pousando em seu ombro. A nova convidada ficou isolada no centro.

•••

Sol

A bruxa sempre foi parar nos lugares que desejava, um país em apenas um passe de feitiço, era fácil, nunca houve erros. Era tão simples como piscar os olhos e mais rápido que um estalar de dedos, tinha a prática de séculos para comprovar.

Mas nem tudo no mundo era simples, algumas coisas fugiam do controle. Lyse podia controlar tudo, menos quando quem estava no controle era o universo, porque ele tinha suas próprias regras e elas eram mirabolantes e devoradoras como um monstro de sete cabeças, algo que Lyse já chegou a conhecer.

Por essa razão, Lyse não podia acreditar no que estava vendo, muito menos onde tinha parado, era um navio, em meio a imensidão azul perdida, não era o que tinha planejado e, mesmo lotado de outras pessoas, avistou o capitão- uma capitã, na verdade, após ser chamada.

Ela não tinha um papagaio em seu ombro. Ela tinha um corvo e, se olhasse bem para a ave, parecia que estava sugando a sua alma. Além disso, seus longos cabelos brancos, carregavam algumas gotas carmesim em alguns fios, era sangue.

— Eu deveria mesmo dizer o meu nome para alguém que carrega sangue em seus fios de cabelo? Não acho que seja a opção mais segura — Adelaide deu mais um passo para frente, tão forte que o piso de madeira rangeu abaixo de seus pés.

— Ora, está no meu navio, por que deveria ser o contrário? Você é a intrusa, senhorita— Lyse deu um único sorriso, tão brilhante que ofuscou a única iluminação da noite: a lua.

— Não apareci aqui por vontade própria, mas me chamo Lyse — A vampira analisou cada centímetro da jovem em seu convés.

— Sem sobrenome? — Lyse concordou com a cabeça.

— Sem sobrenome. Quando se vive a tempo demais não é necessário de coisas como estas, não há para quem clamar — Adelaide sentiu uma pontada no peito, só não sabia explicar o porquê.

— Como você veio parar aqui? — Ainda havia uma plateia as rodeando, Ângelo com seus olhos pretos não desviaram de Lyse desde que chegou.

— Essa é uma boa questão, eu não sei — a bruxa podia falar que foi um feitiço que falhou, mas não sabia o quanto podia confiar, já sabia que estava frente a frente com uma vampira.

E, com toda sua experiência, sabia como os vampiros eram instáveis.

— Como assim "não sabe"? Esse lugar não é de fácil acesso — Lyse sabia disso. Era no meio do mar, uma hora dessas era para estar em terra seca, arrumando as plantinhas da sua nova casa.

— Me perdi, para ser sincera. Não sei mais se aqui é Norte ou Sul, quando eu precisava mesmo era estar no Leste. Você poderia me ajudar? — Ângelo, finalmente, desviou o olhar da (não) convidada.

Mas o ato foi só para trocar um olhar de decisão com Adelaide.

— Iremos conversar lá dentro — foi a palavra final.

Adelaide se virou e entrou, sem esperar por um sinal. A tripulação voltou aos seus serviços.

Outro dia normal. 

Lua de Sangue - AdelaideOnde histórias criam vida. Descubra agora