CAÇADOR DE SONHOS

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Camélia

Era mais fácil do que necessário manter distância de Lyse, porque ela respeitou a decisão de Adelaide e manteve a distância pelos próximos meses.

O problema era que se manteve tão distante que parecia não existir mais, tão distante que Adelaide começou a sentir falta.

Mas a vampira não admitiria isso em voz alta, muito menos que, por todos esses meses, ela observava Lyse, mas era rápida em despistar.

Só que Lyse sumiu, sumiu de verdade.

Parou de sair pelos corredores, de sair à noite enquanto bebericava seu chá, de conversar com a tripulação, de jantar com Ângelo.

Lyse se fez invisível.

Mas Adelaide ainda conseguia ouvir o coração bater, atrás da porta do quarto que a reservou desde o primeiro dia, o único quarto com feitiço, as pessoas de fora não podiam olhar, nem ouvir nada do lado de dentro, fosse o mais poderoso ser existente ou não.

Era o seu próprio quarto, mas não dormia.

Não precisava daquela cama enorme e de lençóis da mais alta qualidade.

A vampira, por sua vez, era curiosa e noite ou outra parava ao lado da porta de madeira, sabia que não conseguiria escutar nada, mas obrigava a ficar ali, imaginando como seria o som da bruxa respirando.

A sua garganta seca, ardendo, implorando pelo sabor doce e quente. A aproximação era torturante, mesmo com uma sala enfeitiçada as separando.

Adelaide encostou sua cabeça na parede de pedra e deixou um suspiro escapar, era uma das suas noites difíceis, a que mais sentia falta da humanidade, do calor.

Um click na porta.

Era uma vampira, podia sumir em um piscar de olhos, mas não foi rápida o suficiente, nem ousou se mexer, travou no chão, no mesmo lugar, a cabeça ainda encostada na parede, o vestido, vermelho e preto, para dormir arrastando no chão.

Virou a cabeça poucos centímetros e seus olhos na cor púrpura encontraram com os olhos castanhos-esverdeados.

•••

Dente-de-leão

Lyse parou de sair do seu quarto depois do pedido de Adelaide, só saia quando era necessário, o que era raro, já que no meio do mar não havia muito o que fazer, não era como em seus campos, cheio de flores e animaizinhos para alimentar e conversar.

A bruxa se recolheu em seu quarto e passava as semanas desse jeito, se afastou de Ângelo e estudava. Estudava e tentava o feitiço de partida.

Falha. Falha. Falha.

O feitiço nunca dava certo, era um karma. O universo se rebelando.

Mas Lyse não desistia, precisava ir embora. Não queria ficar mais nenhum segundo, era doloroso.

Apesar dos humanos a incluírem em rodas, a chamarem para conversar e rir de suas gracinhas, ainda se sentia deslocada, porque eles estavam ali, juntos, por muitos anos e só conseguia imaginar como era intrusa.

E Adelaide não a queria, fazia questão de demonstrar. Ficou meses presa no seu quarto e a vampira não veio um único dia perguntar se estava bem, até Ângelo foi ao seu encontro para saber se estava tudo bem ou se precisava de algo.

Mas a capitã não, ela nunca ia, nem para perguntar se o feitiço estava em andamento, Lyse estava ficando esgotada.

Até que um dia, um dia qualquer, como todos os outros, precisou ir ao banheiro e viu a sombra do vestido vermelho e preto ao lado da sua porta.

Seu olhar subiu para o rosto pálido da vampira, que estava com a cabeça encostada na parede, seu olhar a alcançando lentamente.

—Adelaide? — a vampira ajeitou sua postura e pigarreou, mas não respondeu — Você está bem? — a bruxa fez outra pergunta.

— Estou bem — uma frase, curta, sucinta.

— Tem certeza? — a bruxa não queria se intrometer, mas estava preocupada.

Preocupada com uma vampira. Que ironia.

— Tenho. Não tinha algo para fazer? — a vampira sentia sua garganta arder. A voz quase não saia.

— Adelaide, por que faz isso? Estou tentando ajudar. Você é tão... tão — Lyse não conseguiu terminar de falar.

Os olhos da vampira ficaram escuros, vermelhos bordô. Ansiosa e receosa.

— Tão o quê, Lyse? — Adelaide deu um passo para trás ficando de volta no quarto.

— Nada, foi um equívoco. Espero você sair, para ir ao banheiro e pegar mais água e logo eu termino o feitiço para ir embora— os olhos da vampira não perderam a intensidade da cor, mas parou de cerrar seus pulsos.

— Como você tem certeza? — Lyse engoliu em seco, ela não tinha, só esperava, desejava do fundo do seu coração, que desse certo.

— Eu não tenho, Adelaide, mas eu não quero mais ficar perto de você — a vampira sentiu a adaga invisível penetrar seu peito, rasgando sua pele de mármore.

— Lyse... — mais um suspiro. A garganta tão dolorida que sentiu vontade de tossir.

— Não me chame, Adelaide. Você ficou longe de mim nos últimos dois meses, nem perguntou se eu estava bem, quero só ir embora, já entendi que não sou bem-vinda — a bruxa desabafou, sentindo o nó na garganta, mas se recusando a deixar suas lágrimas prateadas caírem.

— Lyse, chama o Ângelo, por favor — a voz da vampira quase não saiu e carregava dor, Lyse entendeu a gravidade da situação.

— Onde... onde ele está? Eu vou chamá-lo, Adelaide, aguenta — Lyse se colocou de novo para fora do quarto, queria ajudar Adelaide a se sentar, mas não tinha certeza se podia se aproximar tanto.

— Salão principal. Três taças de sangue, é o que preciso —Lyse ouviu com calma, mas ao final da frase já estava correndo até o salão, onde estaria Ângelo e o sangue... 

Lua de Sangue - AdelaideOnde histórias criam vida. Descubra agora