Charlie debate seu plano de pagar o Médium com Ícaro, divaga sobre sua morte, encontra um velho, o qual tem uma agradável e breve conversa, e se interessa por um jornal.
De volta ao local de repouso improvisado — a cabana —, Charlie contemplava o céu noturno do batente da porta, bem como ele gostaria: em solo firme; No entanto, pouco se podia ver das nuvens e estrelas.
No quintal, os sons predominavam; de passos, vindo e indo da calçada atrás da cerca; de um grilo que cantava em algum ponto, escondido pelo mato alto; o farfalhar das folhas das árvores ali próximas; e, para completar, um ou outro vagalume perdido despontava ao redor, como nas terras de Charlie.
Ícaro, sentado no sofá, retirava os sapatos e, fadigado pela empreitada deles durante o dia, pensava consigo mesmo.
— Ainda não o entendo Charlie..., andamos de um lado a outro, conheceu a moça, ajudamos o garoto, o que mais você quer? — começou o amigo, encabulado.
Haviam eles, conseguido retornar após o mal estar de Daniel; tendo Charlie, o carregado nas costas por quase toda a ladeira; ouvindo a cantora reclamar da situação, e com irritável razão; para, como recompensa, no fim, a preocupação da saúde do garoto prevalecer sobre a determinação de levá-lo para casa.
— Isso é fácil de responder amigo, não terminamos nosso objetivo principal — retorquiu Charlie, relaxando os ombros no batente da porta.
— Pegar a trombeta e voltar para o céu? — Ícaro, tentou adivinhar.
— Eu diria: ajudar o garoto a se tornar um mágico de verdade. Até agora nós apenas brincamos, como disse a Samira.
Teimosamente, que os pensamentos de Charlie retornavam à mulher.
— Não se esqueça daquele velho com quem nos endividou, não terá trombeta, nem mágico, se não descobrir como pagar ele amanhã. Lembra? Você jogou-a no mar e, que eu saiba, espíritos não tocam em cordas!
Charlie escutou a preocupação do amigo encarando a parede escura do prédio ao lado do terreno onde estavam. Uma das janelas estava com a luz acessa.
— Vamos usar o dinheiro dele. — Ele voltou àquela ideia, referindo-se à grana ganha por Daniel.
— É uma merreca! Duvido que pague! Apesar de ainda não sabermos o preço.
— Temos que trabalhar mais então.
— Ah, é tão simples! E com apenas um dia sobrando? — lembrou Ícaro. Ele se estirava no sofá, pronto para dormir.
Charlie apagou a luz da cabana; ainda assim, não conseguiu pregar os olhos ao se deitar no pano velho que vinha servindo-o de cama. Pensava ele, em como o dinheiro do menino podia ser pouco para pagar Lorbas; e em como ficar invisível novamente seria ainda mais torturante, especialmente agora que se aproximara de Samira.
Tentava encontrar soluções a todo custo de sanar sua dívida, até mesmo cogitou em vender ou penhorar a trombeta, mas aquilo era demais; além do mais, o instrumento — assim como suas vontades — que o mantinha ali, perdê-lo para alguém que ele não conhecia, soou uma má ideia. Isso tudo somando ao fato de não estar disposto a ouvir as palavras de Celeste, de que, talvez, nunca mais retornaria aos céus.
Farto de pensar em todos os problemas que teria de lidar, e que espantavam seu sono, Charlie decidiu tomar um ar, pois, em definitivo, não conseguiria dormir; ademais, nunca fora de deixar a noite acalmá-lo, sempre as virava desperto no bar.
— Ícaro? — Charlie, chamou-o baixo.
O homenzinho parecia ainda meio acordado e suas pálpebras se semicerraram ao ouvi-lo.
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A Trombeta de Gabriel
Adventure"'Todos os homens merecem o céu!', aqui, este é o lema dos anjos; mas, quando a Trombeta de Gabriel cai do céu - impedindo os portões de abrirem e receberem as almas dos mortos -, Charlie Barker - um homem de 30 anos, morto e malandro -, é escolhido...