Epílogo

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Herança


Ouvi em uma rede social um poema, e me peguei pensando nesses últimos 3 anos da minha vida.... O que herdei dos meus filhos?


Herdei paciência, capacidade de suportar desorganização e caos.

Frieza para lidar em situações críticas como quedas e cortes com sangue jorrando. Herdei desnojo para limpar coco, vômito e comer biscoito babado.

Herdei medo de morrer, medo de lendas, medo da noite e o único medo de perder verdadeiro. Mas herdei coragem também, muita.

De um filho herdei a necessidade de ter uma escuta ativa, do outro de tocar sempre e o tempo todo, porque aparentemente este precisa sentir para se sentir , e do outro herdei as pequenas lembranças, mesmo eu não conseguindo lembrar o que comi no café da manhã, mas consigo lembrar daquele detalhe daquela historia especifica que contei quando ele tinha tal idade porque pra ele isso importa.

Herdei vontade de montar árvore de natal, de aprender a fazer pãozinho de sonhos, biscoitos felizes e a assistir desenho animado às 6 da manhã de um domingo de férias.

Herdei a capacidade de fazer remédio a partir de beijos, abraços de urso e canções. 

Herdei rugas, estrias, olheiras. Herdei emoções colhidas nas coisas bobas, força sobre-humanas e um grito que se acha poderoso suficiente para parar no ar qualquer coisa que se mova. 

Herdei uma capacidade ilimitada de sentir culpa e uma mania incontrolável de olhar quando alguém grita: Mãeeeeeeeee...



- Mãeeeeeeeee...  - Fui interrompida do meu momento solo por uma vozinha estridente e bem conhecida, que tem a capacidade de me encontrar até na escuridão.


- Oi, Vi, aqui no escritório, filho !  - Gritei, deitada no meu sofá, com uma xícara de chá na mão, porque era 10 da manhã, se fosse a noite a xícara seria uma taça e o chá seria vinho.


- Mãe, a Helô não qué deixá eu vê o homi alanha.  - Veja só a urgência que agora preciso resolver. Antes eu era retirada do meu descanso porque um dos sócios de alguma unidade precisava de uma reunião urgente, agora, eu sou juíza e advogada das minhas crias, que não conseguem aceitar horários ou entrar em acordos de paz.


- Cadê seu pai, filho?


- Ele foi na padalia compá coisinhas gostosas com o Pepê e mandô eu chamá você.   - Eu vou matar o Alexandre, não vai ter jeito!


- E por que você não veio me chamar quando ele saiu?  - Estreitei o olhar em sua direção na esperança de fazê-lo arrepender.


- Puque o papai dexô eu vendo o vídeo no celulá dele, e eu sisqueci, mas ele colocô tempo, e aí o tempo acabô.  - Olha a safadeza desse garoto!


- Ahhh, então quer dizer que você veio reclamar da sua irmã porque o celular do papai bloqueou e você agora se acha no direito de perturbar a sua irmã? É isso mesmo, senhor Vicente?   - Coloquei as mãos na cintura e direcionei ao marginal acusador meu olhar mais ameaçador.

Duas Metades (GN)Onde histórias criam vida. Descubra agora