Dmitry

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                                    Rússia

 
As coisas na Rússia não eram fáceis, ainda mais, após o país ter sido acusado como um dos causadores do grande apocalipse. A população entrou em guerra, esquerda e direita, mais direita que esquerda. Onde o exército russo e a grande maioria extremista, massacrava os manisfestantes que buscavam a paz, quando o vírus atingiu seu apogeu pelas vias sanguíneas das grandes cidades, as pessoas que antes lutavam para decidir quais estariam certas ou erradas, agora lutavam para sair com vida, onde quer que fossem.

   Ivan era um homem calmo, ele era um grande investidor, também era dono de uma empresa de construção renomada que gerava muitos empregos no país, considerado um herói para muitas famílias as quais mandava alimentos e mantimentos, ele fazia seu papel como benfeitor. Seu coração se partia a cada clique, vendo as imagens horripilantes na televisão, antes do grande apagão.

   Ele estava com um copo de vodka e um cigarro aceso, olhando atento para a tela, analisando os corpos, rostos, membros decepados, buscando conhecidos, buscando sua ex esposa.. aquela com quem ele havia compartilhado tantos momentos, tantas alegrias.. aquela com quem ele compartilhava a guarda do filho, que com tanta luta conseguiram adotar juntos. Quando a Dr. Lin os ofereceu a oportunidade de suas vidas e eles, é claro, aceitaram; na expectativa de que aquele doce menino dos olhos azuis e a pele mais branca que quartzo, o menino que consertaria o casamento danificado pelas mentiras de Olga.

   Olga.. Dmitry lembrava dela com tanta clareza e ao mesmo tempo com confusão e tristeza. Ele sabia que a mãe havia morrido e o pai se afundaria cada vez mais na saudade. Perder alguém por um divórcio ou por algum problema mundano era consolável, mas ouvir os últimos suspiros da pessoa que mais amou na vida, ouvi-la dizendo que se arrependia e que também o amava, ouvi-la perdendo os últimos resquícios de sanidade e rosnando como um animal.. Ivan nunca deixaria Dmitry saber disso, ele não podia, não sabia como. Preferia que o filho imaginasse um futuro onde se encontrariam e voltariam a ser unidos como antes.

    O que ele não esperava era que seu filho soubesse desde o início, desde quando ouviu o pai chorando no telefone, a alguns metros de distância, enquanto fumava no telhado, o garoto tinha esse hábito, era inevitável já que viu sua mãe fumando escondido ali quando criança, ele se espelhava nela, inconscientemente, ele sempre se espelhou, inclusive quando roubou seu primeiro cigarro da bolsa da mãe, após isso seu corpo e seu implante tiveram reações "incomuns" quando sentiam o toque aveludado e agressivo da fumaça cancerígena chegando ao seus pulmões. Não se preocupava com um mau futuro ou com uma morte lenta. Ele já havia perdido tudo, ele sabia sobre a morte de sua mãe e sabia que seu pai só se mantinha vivo para não chatea-lo, que seu pai se mataria ao primeiro problema que enfrentasse. Ele sabia porque a fumaça dizia para ele.

   Os movimentos, as texturas, o toque, a forma como atravessava os cômodos pelo ar, a fumaça era encantadora, Dmitry considerava impossível não se atrair por aquilo, considerava impossível não ficar inebriado toda vez que puxava e prendia aquilo dentro dele. Ele sentia isso desde seus 12 anos. Era jovem, inexperiente e com certeza diferente de todos os outros. Ele não era uma criança normal, ele sempre soube disso. Então por que não experimentar normalidade? Todo mundo que ele conhecia fumava escondido, seu pai, sua mãe, seus avós.. aos 12 ele já reconhecia as alterações no ar, quando alguém estava com um cigarro aceso por perto, ou qualquer tipo de substância que produzisse muita fumaça. Porém ele tinha seus odores favoritos, odores que parecia fazer mais sentido e agradá-lo de forma diferente.

  Dmitry era a personificação da fumaça, aos 19 anos, ele já trabalhava suas transformações, era como se ele se tornasse um só com a fumaça toda vez que fumava, ele se misturava a ela no ar, seu corpo ficava mais leve, sua pele quase sumia ao vento, ele se locomovia mais rápido e conseguia atravessar de uma sala para a outra, era como um super poder, a única diferença era que ele fumava o dia inteiro para se sentir invisível.

   Ivan queria se aproximar mais do filho, foi o que tentou quando comprou o console mais desejado por todos os adolescentes, ele sabia que não podia deixar Dmitry ter acesso ilimitado a tudo, ele queria que o filho conhecesse a humildade, que conhecesse o sabor da conquista e soubesse que a vida tem desafios. Mas isso não o impedia de querer uma infância saudável para o filho, com brinquedos e coisas que o divertissem. Ele queria o filho feliz, acima de tudo.

   Dmitry escolheu tudo nas cores cinza, obviamente, sua compulsão em se transformar em fumaça se tornou quase uma obsessão, ele tentava entender aquilo, se via como um sorteado por Deus para ter um dom especial e único. Ele não fazia ideia que tudo aquilo era vinculado com a pequena elevação na pele de suas costas. Tudo que Dmitry sabia sobre seu implante era que se ele não tomasse suas vitaminas, poderia ter efeitos colaterais, ao menos era o que Dr. Lin havia dito. Se parasse, poderia passar por desmaios constantes, dores de cabeça insuportáveis, insuficiência nos órgãos e até morte cerebral. Ele e o pai conviviam juntos, mas dia após dia, ele tinha mais certeza de que Ivan escondia mais coisas além de suas fumadas matinais escondidas.

   Dmitry jogava apenas para se divertir, ele gostava de manifestar seus poderes com mais clareza no jogo, onde ele podia se ver na 3ª pessoa e sentir seus desejos ainda mais claros.
  Ele desejava aquilo, desejava ser transparente e poder ir para onde quisesse sem ter medo de ser morto como sua mãe havia sido. Esse era seu maior segredo.

   A casa russa se encontrava conturbada aquela semana, Ivan estava tendo uma crise, como se tivesse perdido o controle de suas ações e buscasse por qualquer coisa que o distraísse daquela dor terrível de sempre. Seu cotidiano estava o deixando louco. Era uma casa confortável, porém grande demais para apenas duas pessoas. Era um espaço alto e isolado na cidade, uma casa em formato de cubo onde ao centro se encontrava um belo jardim, com flores e pinheiros e ao centro uma jacuzzi com bancos em volta. Nos dias menos frios, aquele era um lugar muito agradável. As saunas e piscinas aquecidas do quarto especial eram um dos lugares onde Dmitry mais se divertia, conforme o suor transpirava dos poros ele ficava ainda mais leve. Conforme Dmitry sentia o calor e a fumaça dos carvões naturais, ele ia de um cômodo a outro pelo ar.

  Ele queria se teletransportar para a sociedade, queria interagir com alguém, queria ver pessoas, queria saber como sair daquela casa sem ser morto por aquelas criaturas horríveis, queria que o mundo ainda fosse normal para que soubessem o que ele era capaz de fazer. Esse era Dmitry.

  No jogo, ele estava buscando pelos outros membros ativos, ele queria conhecer a mulher que se posicionava como a primeira no ranking dos níveis, queria saber como ela sobrevivia e onde morava. Queria saber como chegar até ela e talvez até os outros jogadores, ele considerava as hipóteses de uma viagem. Pelo tempo que a jogadora passava on-line, devido aos horários, ele deduziu que ela morava na América, a menos que gostasse de passar as madrugadas acordadas. Dmitry considerava o fuso horário uma questão importante sobre os jogadores.

   Ele decidiu que começaria a explorar alguns lugares no mapa em busca da imperatriz. Ele não sabia exatamente como iria encontrá-la, mas iria tentar. E como ele chegaria até ela depois? Isso era uma questão para depois.

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⏰ Última atualização: Jul 28 ⏰

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