Capítulo XIV

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Remi encarou o moletom verde pendurado no meio das suas roupas, estranhamente ele passou a ser dela, apesar de destoar absolutamente de tudo que usava, era sempre pendurado do lado dela do closet. Seu marido, não agia mais como o menino mimado que ela estava acostumada, semanas casada, um surto, um beijo, e eles se tornaram mais estranhos do que ela imaginou possível. Dois estranhos que se conheciam.

Ela sabia que ele não estava bem. Via ele andar pelos cantos, em silêncio, como um fantasma, ela quase conseguia sentir a dor do amor não correspondido. Enquanto Primore vivia normalmente, ele sentia a separação de ambos, estava tendo seu primeiro coração partido, ela não conseguia nem sequer imaginar como era, o quanto doía.

Suas mãos tocaram a manga do moletom, deslizando por toda a extensão, até o fim. Depois que ele falou sobre ela ser bonita, ou como verde combinava com ela, Remi se sentia impelida a usar mais cores assim, entretanto seu vestiário consistia basicamente em tons de azul marinho, preto, nuances de cinza e branco, as vezes tons escuros de vermelho, não havia muito pra se escolher. Como aquele moletom perdido no meio das suas roupas, ela estava perdida na sua própria armadilha. Podia se soltar, mas não sabia se queria.

Ele cumpriu tudo o que prometeu, foi educado e respeitoso. Não havia mais piadinhas sobre ela ser uma bruxa má, não havia invasões de privacidade, ou encontros forçados, Noah estava sempre do lado oposto dela, como ela queria.

Remi impôs um muro tão alto, que nem mesmo ela podia ver do outro lado. Devia admitir, estava infeliz. Após tantos anos, alguém conseguiu mover um pouco seu coração, e ela o impediu de continuar. Suspirou. Vestiu um vestido preto, simples, e um casaco igualmente preto, mais uma batalha inevitável, teria que ver seus pais e Prim, e fingir ser uma filha amável visitando o pai em seu aniversário. Era a primeira vez que enfrentaria sua irmã e seu marido, no mesmo cômodo após aquele beijo na praia, mais um motivo para vestir sua armadura, não seria nada fácil.

Ela preferiu esperar dentro do carro alguns minutos. Seu marido já havia chegado há mais de meia hora, enquanto ela estava cansada demais pra enfrentar aquelas pessoas. Remi tentou respirar fundo antes de entrar na casa, como sempre uma linda mansão imponente, ninguém suspeitaria que aquela família não era tão nobre quanto aparentava, estavam quase quebrados, se não fosse por Remi, tudo teria sido vendido ou dado para liquidar dívidas.

Ela conferiu se os cabelos estavam bem presos no coque baixo, se sentiu uma jovem senhora, entrando no covil das cobras. Ela podia fazer aquilo, ela conseguia. Se resignou a continuar, coluna reta, cabeça erguida, sempre em frente, sem desvios.

Prim a esperava na entrada. Lindamente maquiada e arrumada, uma delicada boneca.

— Pensei que nunca entraria. — Os braços cruzados na defensiva. — Todos estão na sala de jantar, só faltava "vossa alteza".

Remi estava exausta dela, saturada de suas falas infantis e egoístas, mas não poderia dizer que esperava outra coisa de Primore, além de birras e mentiras, uma falsa joia brilhante.

— Então vamos acabar logo com isso. — Remi tentou passar, mas Prim entrou em sua frente, bloqueando o caminho, e fazendo ela erguer as sobrancelhas em questionamento.

— Quero conversar com você, sozinhas. — Prim passou por ela, esperando que a seguisse. Cautelosamente, ela a seguiu até a área externa, considerando o histórico da irmã, aquilo não passava de um truque, um desvio ou uma forma de chamar a atenção.

Prim parou próxima à piscina, Remi se lembrava daquele lugar, aonde sua vida desandou, e tudo começou a dar errado, um dia ensolarado que transformou sua vida em trevas. E pelo olhar de sua irmã ela também se lembrava.

— Não é muito esperto de sua parte ficar aqui comigo, sozinha. — Remi indicou a piscina. — Nunca se sabe o que pode acontecer.

Prim tentou parecer imponente.

— Você acha que venceu, não é? — Prim riu. — Posso ter Noah a qualquer instante. No final de tudo, você sempre será a irmã maldosa, invejosa e traidora. Ninguém nunca vai acreditar em você.

— Noah acreditou.

Prim tremeu de ódio.

— Ele só ficou um pouco chateado, já até conversamos. — Prim disfarçou. — Adivinha? Ele ainda me ama, sempre serei o primeiro amor dele.

— Primeiros amores acabam Prim.

Ela segurou o braço de Remi com força, enquanto a irmã apenas a olhava, aquele olhar de superioridade que Remi sempre teve, como se ela fosse um nada.

— Eu não vou deixá-lo me esquecer, sempre serei um fantasma entre vocês. Você nunca será feliz, eu não vou deixar! — Prim a apertou com força, e Remi apenas sorriu de lado, debochando dela. — Você não o merece!

Remi tentou se afastar, mas Prim queria uma briga.

— Me solte!

— Ou o quê? Vai tentar me matar de novo? — Prim sorriu. E então começou a gritar, o mais alto que podia. — Me solte! Me solte! Socorro!

Remi tentava se livrar das mãos dela, mas Prim a puxava cada vez mais para si, até por fim caírem na água, como já não eram mais crianças, conseguiam ficar de pé dentro da piscina, Prim parecia chocada, desesperadamente tentando chegar à borda da piscina, enquanto Remi via todos correrem até ela, mas havia uma pessoa que ficou parada, de longe, vendo a comoção gerada, sem ajudar ninguém. Por mais que ambos se olhassem, sem dar a devida importância a atuação de Primore, totalmente fixados um no outro, uma parte deles torcia para ser diferente. Noah queria que ela não estivesse dentro da água, e Remi queria que ele não se aproximasse, como em um paradoxo.

Prim continuava fazendo seu show escandaloso, enquanto Remi sozinha saía da água, sendo brutalmente julgada pelos olhares de todos. Para felicidade de Primore, Remi era novamente uma vilã.

— Dá próxima vez, você terá o que merece! — Remi resolveu aceitar seu título e crime, ela sabia ser ainda pior, e eles iriam descobrir.

As roupas pingando, se colando ao seu corpo enquanto andava, tudo se desfazendo no caminho, ela nunca desejou ser tão má como naquele momento, seu coração fervia. Noah tentou alcança-la, antes que ela perdesse o controle.

— Remi!

— O quê? — Remi parou, enfrentando-o. — Quer saber se tentei matar sua querida namorada?

Ele olhou para ela, a expressão de ódio, os fios de cabelo se soltando do penteado, a roupa empapada. Alguma coisa lhe dizia que ela não faria aquilo.

— Não foi você, não é? — o tom compadecido quase a enganou, quase. — Você não faria aquilo.

— Você não me conhece Noah. Mas de uma coisa tem razão, eu não fiz aquilo. Mas você logo vai descobrir que posso fazer pior.

Aquele olhar, cheio de ódio, queimando a vingança, ela estava prestes a destruir tudo, e mostrar todo o seu poder. Ela era uma bomba prestes a explodir.

Remi entrou dentro do carro e foi embora. Acabaram-se as chances, a família Solomon nunca mais seria a mesma quando ela terminasse.

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