Dizem que você nunca será capaz de entender a dor alheia sem senti-la, apenas imaginar. E Noah imaginava o quanto ela devia estar assustada. Com fizeram aquilo com ela? Por que magoar uma criança? Ele corria por entre caminhos de pedra, ouvindo ao longe pessoas chamando por ela. O quão assustada ela devia estar, para se tornar incapaz de responder aos chamados?
Elizabeth Solomon destruiu Remi de uma forma, como se quisesse torna-la incapaz de se recuperar. Ela só tinha treze anos, quando seus pais a mandaram morar com aquela mulher maléfica e amarga, e por qualquer mínimo erro, era condenada a passar fome e a ficar de castigo em um porão escuro. Ela conhecia a dor da fome e a dor do abandono, ela não era tão forte assim, só estava resistindo.
Noah viu o que parecia uma pessoa abaixada encostada em uma árvore, abraçando os próprios joelhos, o rosto escondido. Sua esposa.
— Remi — ele chamou cuidadosamente, não queria assustá-la mais, levemente tocou seu joelho. — Remi, sou eu, Noah.
Ela olhou pra ele, enormes olhos assustados, como um cervo.
— Você sabia que as hortênsias mudam de cor de acordo com o pH do solo? — Remi sussurrou. — Elas são minhas flores favoritas.
Ela não falava nada que fizesse sentido.
— Vou lhe comprar muitas hortênsias, Remi. — Noah a ajudou a se erguer, e a carregou por todo caminho de volta. Assim que entraram dentro de casa, a sra. Clark se aproximou correndo.
— Ela está bem? — tocou-lhe o rosto frio.
— Um pouco atordoada.
Noah a colocou no chão. A sra. Clark havia enchido a casa de velas, e a levava zelosamente até o quarto, ele viu Suzy tratar Remi como uma criança, aquecendo a água da banheira, e lavando seu corpo enquanto sua esposa permanecia inerte. Remi foi colocada na cama, e se encolheu embaixo do cobertor.
— Temos que avisar que ela foi encontrada. — A sra. Clark parecia um misto de aliviada com preocupada.
— Já avisei, enquanto a banhava na banheira. — Noah não tirava os olhos de Remi. — Não devíamos chamar um médico?
— Ela tem um médico, já sabemos como proceder. — A sra. Clark ficou na defensiva. — Ele deve chegar de manhã, para visita-la.
Noah nunca havia visto alguém com tanto medo na vida.
— Não precisa se preocupar, passarei a noite com ela, e ...
— Vou ficar aqui.
— O quê?
— Sou o marido dela, vou ficar aqui, até amanhecer. — Noah garantiu. — Deveria descansar.
— Não posso deixa-la sozinha.
A sra. Clark parecia em conflito.
— Remi está mesmo bem? — Noah acompanhou o olhar preocupado dela para a mulher deitada encolhida como um bebê.
— Não, mas ela vai ficar. — Suzy ajeitou o quarto e o chamou para se sentar nas poltronas próximas a janela. — Ela não vai se lembrar com clareza do que houve quando acordar, no início há um pouco de confusão. Você deve querer saber de tudo, mas não posso te contar com detalhes.
Noah só queria saber como alguém conseguiu imprimir tanto medo em alguém.
— Você pode me dizer ao menos o que sabe?
Ela sacudiu a cabeça em afirmação.
— Eu conheci Remi ela já tinha quinze anos, fui contratada para substituir a antiga governanta da casa. Ela já era trancada no porão pela sra. Solomon, por qualquer coisa que pudesse imaginar, era a forma que a senhora usava para "discipliná-la", às vezes ela passava um dia inteiro trancada, não podíamos fazer nada. Aquela mulher era uma bruxa horrível. — Suzy tinha olhos distantes, como se relembrando aqueles dias. — Às vezes ela comia apenas uma refeição diária.
— Como deixaram isso acontecer com ela? Os pais dela, eles sabem? — Noah estava revoltado, quem em sã consciência mandaria sua filha para as garras de um monstro.
— Pelo que sei, seus pais nunca a visitaram, e não sabiam do que acontecia. — Suzy tentou explicar. — As fofocas dentro da casa Solomon diziam que Reymond Solomon levou seu filho embora quando ele tinha dois anos, fugiu para ficar com uma amante, morreu sete anos depois, e Peter voltou a ficar sob a tutela da mãe, mas nunca foram próximos, ele estudou em um colégio interno, mas o problema da senhora era com as meninas. Ela odiava meninas.
— Não interessa, um pai deve cuidar do seu filho, estar com seu filho. — Noah estava prestes a explodir.
— Poucas pessoas sabem. Apensa eu, Pier e Dunny. Os outros só sabem que ela tem medo do escuro. Não pode contar pra ninguém. — Suzy suplicava. — Remi é a única que pode falar de seu passado, não temos o direito de expor feridas tão dolorosas.
— Ela nunca contou pra ninguém... Ela está se vingando... — Noah divagava.
— Remi nunca se vingaria de alguém, ela está fazendo justiça. — A sra. Clark afirmou. — Há muitas coisas que não sabemos Noah, Remi vive em um mundo do qual nunca pisamos.
Ele olhou para a esposa, a primeira vez que a viu como uma pessoa normal.
— Ela me falou de hortênsias...
— São suas flores favoritas. — Suzy sorriu.
— Ela me disse, algo sobre mudarem de cor ... — Noah não conhecia nada sobre ela, mas tinha tanto pra conhecer.
— É por isso, por mudarem... Dunny nos disse que elas podem significar coragem e determinação, e Remi queria mudar, queria ser corajosa.
Sua esposa com certeza era uma das mulheres mais corajosas que conheceu.

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Sob a Superfície
RomansRemi Solomon foi a primogênita de Judy e Paul Solomon. Uma menina tranquila e quieta, mas a família ainda parecia pequena para os Solomon, e inúmeras tentativas fracassadas depois, eles conseguiram ter a pequena e delicada Primore. Ela se tornou o m...