Capítulo VII

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— Há muito tempo não nos reuníamos assim. — Paul Solomon tentou desfazer o silêncio que pairava entre eles.

— Nunca nos reunimos assim. — Remi o relembrou, obvio que ele não precisava ser lembrado, a memória estava intacta. — Quer dizer, eu nunca estive numa reunião assim.

Ela o provocava a contestar, mas ele não tinha coragem.

— Nos reuníamos assim quando eram crianças, faz muito tempo. — Judy tentou amenizar, algo que a querida Judy Solomon sempre fez, ela odiava escândalos e fofocas, ainda mais se fosse sobre si própria ou sua casa.

Enquanto Remi se parecia fisicamente com o pai, Primore era uma versão mais jovem da mãe. Mas era só isso, nada mais os ligava além do sangue.

— Ah! Quando as crianças são pequenas a família se reuni mais facilmente. ­— Simone Dempsey tentou argumentar. — Eu por exemplo, só vejo Junior e Noah juntos no mesmo lugar poucas vezes ao ano. São os tais afazeres da vida adulta, estão sempre trabalhando.

— Alguém que nunca trabalhou não entenderia aqueles que o precisam fazer. — Remi alfinetou.

A sra. Dempsey iria responder, mas Noah ergueu as mãos pedindo silenciosamente que não revidasse. Não estavam aptos para lutar contra ela.

— Acho que perdi a fome, — ela tentou sair por cima. — Me desculpem, mas eu e Paul sairemos primeiro.

— Não desperdicem comida. — Poucas coisas a faziam incitar uma briga como o desperdício. — Pessoas no mundo estão passando fome.

Simone ficou envergonhada. Obrigou-se a comer, entretanto os alimentos tão saborosos agora pareciam pedras em seu estômago. O clima ficou ainda mais pesado.

Remi conseguiu o que queria, eles se foram pouco tempo depois do almoço, e a casa voltou a ser vazia, seu precioso lar.

— Como pôde falar daquele jeito com minha mãe? — Noah a puxou pelo braço.

Ela movimentou os lábios como se fosse falar, mas então não disse nenhuma palavra, apenas uma careta. Arrancou seu braço por meio dos dedos de Noah, as marcas vermelhas em sua pele. Claro, ele não era tão perfeito assim. Talvez ele também fosse um vilão.

— Estão na minha casa, então seguirão as minhas regras. — Remi continuou andando.

— Não pode fazer isso, as pessoas fugirão de você.

— Você ainda é um pequeno menino Noah. — Remi falou pensativa. — Há um momento na vida que essas coisas não importam mais, não importa se ficam ou se vão...

Ele a seguiu de perto e assim que ela tocou a maçaneta da porta, os dedos dele cobriram os seus, a porta não se abriu.

— Então o que importa?

— O motivo.

Remi abriu a porta, as luzes baixas abraçaram seu interior. Noah teve um vislumbre do quarto dela, luzes fracas como as que estavam espalhadas pela casa, tons suaves para todos os lados, a mulher que só usava cores fortes, dormia no meio de uma nuvem branca. A porta se fechou.

Ele entrou no próprio quarto, um closet os separava, as roupas dela penduradas em cabides do lado oposto as dele, nada se misturava, nada combinava. Não havia fotos, nada que transformasse aquela casa em um lugar mais caloroso. Ele se assustou ao perceber que o corpo dela era quente, por algum motivo ridículo achava que ela seria tão fria quanto seu coração. Riu de sua própria infantilidade, claramente um ser humano vivo teria temperatura corporal como todos os outros, até Remi Solomon.

Ela fingiu que aquele dia terrível não existiu, mas infelizmente teria que ver Noah outra vez.

Noah tentou dar um passeio pelos caminhos de pedra, ainda não estava familiarizado, e se perdeu algumas vezes, mas conseguia voltar a casa. Ele precisava fazer amigos, se quisesse conhecer Remi, tinha que se aproximar dos funcionários dela, as únicas pessoas que viveram algum tempo com ela, e podiam ser úteis.

Se lembrou do caminho que dava a vila dos funcionários, era um caminho relativamente curto, preenchido pelo cheiro de terra molhada e flores. As casas eram de madeira, distantes o necessário para privacidade de cada morador, separadas por cercas vivas. Meg estava sentada em um banco de pedra no que ele poderia chamar de praça.

— Olá Meg.

— Quase fiquei de castigo. — Ela contou. — Não podemos fazer festas ou comemorações em dias da semana.

— Foi apenas essa. Você gostou?

Meg ficou pensativa.

— Eu gostaria que a casa tivesse mais pessoas. Há tantos cômodos vazios. — Meg ficou triste. — Mas aquelas pessoas não gostam de Remi. Ela estava triste.

Noah ficou surpreso por uma garotinha ser tão perceptiva.

— Por que fez aquilo com ela? — Meg o olhava desconfiada, talvez buscasse uma resposta diferente da que ele gostaria de dizer.

— Aquelas pessoas são a família de Remi.

— Família é mais do que sangue Noah. — Meg chutava pedras imaginárias. — Remi é minha família, diferente do meu pai que foi embora.

— E por que você dorme aqui? Longe da casa principal?

— Sinto falta da minha mãe. Nossa casa ainda tem o cheiro dela, as coisas ainda estão do mesmo jeito que ela sempre deixou, esperando ela voltar. — Meg sorriu como se conseguisse visualizar sua mãe voltando e entrando pela porta da frente. — Pedi a Remi que me deixasse dormir aqui, ela nunca me obrigaria, ela me entende.

Noah não sabia o que dizer.

— A Remi não me deixa chama-la de mamãe porque teme que eu me ressinta da minha mãe, e a deixe de lado. — Meg confidenciou. — Eu entendo que minha mãe está doente, não é culpa dela. Só sinto saudades.

Ele queria consolar aquela pequena grande mulher.

— As outras crianças estudam na mesma escola que você... — ele soube assim que ligou mais cedo pedindo uma licença para um evento de família. — Remi paga a escola de todos?

— Sim, e temos aulas extras de artes, violão e piano. — Meg era seu maior meio de informação naquela casa. — Remi só exige que nunca faltemos as aulas sem motivo, e que tenhamos notas acima da média. Todo ano ela nos premia com algo se formos bem na escola. Ano passado passei com A+, por isso vamos à França no meu aniversário.

— Você gosta da França?

— Nunca conheci. Remi já nos levou para a California e a Disney. — Ela se iluminou. — Quero viajar o mundo.

— Um bom sonho, espero que consiga.

Meg continuou contando de suas aventuras, Ingrid sua fiel companheira e amiga, era a filha do meio dos Stevens, havia mais quatro, Lionel, o mais velho, que frequentava um colégio interno, Remi o colocou lá, parece que o menino é um prodígio, e os gêmeos Samuel e Samanta, de dez anos.

Quanto mais ele ouvia Meg falar, mas se sentia impelido a descobrir como uma pessoa pode ter duas versões tão opostas. Conversaram por horas, até o jantar ser servido.

— O jantar sr. Dempsey. — a sra. Clark colocou somente o seu prato à mesa.

— E Remi?

— Ela já se retirou senhor.

Diferente de Meg, a senhora Clark não lhe falaria sobre sua esposa, entretanto ela sabia todos os seus segredos obscuros, afinal, segundo Meg, ambas se conhecem desde a casa de Elizabeth Solomon.

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