01. Você quer ser minha amiga?

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Eu tinha oito anos, e era um daqueles dias de verão em que o calor era quase insuportável. Minha família, como de costume, estava organizando uma daquelas festas extravagantes no jardim de nossa mansão, com bufês intermináveis e adultos que falavam sobre coisas que não faziam sentido para mim. Como filha dos Blossom, eu estava acostumada a esse tipo de evento. Vestida com um vestido vermelho, eu me sentia como uma boneca, enfeitada e exibida para todos verem, mas completamente sozinha em meio à multidão.

Eu estava no balanço, afastada da agitação, empurrando-me de leve, quando a vi pela primeira vez. Uma menina com cabelos rosa cacheados e olhos grandes, vestindo uma camiseta simples e shorts, claramente deslocada em meio ao luxo opulento que me cercava. Ela estava sozinha, olhando ao redor com curiosidade, mas também com uma ponta de nervosismo, como se estivesse tentando encontrar seu lugar no meio de tudo aquilo. Lembro-me de pensar que ela era diferente de qualquer pessoa que eu já havia visto.

Não sei o que me impulsionou a descer do balanço e me aproximar dela. Talvez fosse a curiosidade, ou talvez o desejo de ter alguém com quem compartilhar aquele momento. Mas assim que me aproximei, vi que seus olhos encontraram os meus, e algo dentro de mim mudou. Havia uma conexão, algo silencioso e profundo, que senti imediatamente, mesmo sendo tão jovem. Ela sorriu, um sorriso tímido mas caloroso, e eu soube que queria conhecê-la.

— Oi — disse eu, tentando parecer amigável. —  Você quer brincar comigo?

Ela olhou para mim, surpresa, como se não esperasse que alguém fosse falar com ela. Mas então, aquele sorriso tímido apareceu novamente, e ela assentiu.

— Eu sou Cheryl — apresentei-me, estendendo minha mão pequena.

— Antoinette, mas prefiro Toni — respondeu ela, apertando minha mão com uma firmeza inesperada para uma menina tão pequena. — Eu não conheço ninguém aqui.

— Agora você conhece —  declarei, sorrindo de volta. Havia algo nela que me fez sentir que, pela primeira vez em muito tempo, eu não estava sozinha. — Vamos explorar.

E assim começou nossa amizade. Naquele dia, levei Toni a todos os cantos do jardim, mostrando-lhe cada esconderijo secreto que eu conhecia. Brincamos de esconde-esconde entre as árvores, corremos até ficarmos sem fôlego, e inventamos histórias sobre princesas e cavaleiros, como se o mundo fosse nosso playground. Ela era diferente de todas as outras crianças que conheci até então. Toni tinha uma energia vibrante, uma curiosidade incessante, e uma imaginação que rivalizava com a minha. Ela não se importava com as regras não ditas da alta sociedade em que eu estava inserida; para ela, o que importava era a aventura, a diversão, e isso era exatamente o que eu precisava.

Enquanto o sol começava a se pôr, nós nos sentamos no chão, exaustas, nossas roupas sujas de grama e nossas risadas ecoando pelo jardim. Foi então que percebi que, pela primeira vez em muito tempo, eu estava verdadeiramente feliz. A companhia de Toni me deu algo que eu nem sabia que estava faltando: uma amizade genuína, sem julgamentos ou expectativas.

— Por que você estava sozinha antes? —  perguntei, curiosa.— Você veio com alguém?

Ela hesitou por um momento, como se estivesse decidindo o que me contar.

— Minha mãe trabalha aqui — explicou, olhando para o chão. — Ela cuida das plantas e às vezes me traz com ela quando não tem onde me deixar."

Eu me surpreendi ao ouvir isso. Até então, nunca tinha parado para pensar nas pessoas que trabalhavam na mansão, como se elas fossem parte da paisagem, sem importância real. Mas agora, sabendo que a mãe de Toni era uma dessas pessoas, meu mundo começou a se expandir, percebendo que havia muito mais além das fronteiras da minha vida privilegiada.

— Você quer brincar comigo mais vezes? —  perguntei, sentindo uma pontada de ansiedade em meu peito. A ideia de não vê-la novamente era insuportável. — Podemos brincar todos os dias!

Toni olhou para mim, e eu pude ver a hesitação em seus olhos, como se estivesse considerando algo importante.

— Eu adoraria —  ela disse finalmente, e meu coração saltou de alegria. — Mas minha mãe diz que não posso incomodar as pessoas que moram aqui.

— Você não está incomodando! — protestei, com a voz cheia de determinação. — Você é minha amiga. E amigos não incomodam.

Ela sorriu novamente, um sorriso genuíno e feliz, e soube que tínhamos nos encontrado. Naquele momento, não importava que nossas vidas fossem tão diferentes; o que importava era que tínhamos uma à outra, e que, juntas, poderíamos criar nosso próprio mundo, cheio de aventuras e segredos que só nós duas conhecíamos.

Nos dias que se seguiram, Toni e eu passamos a nos encontrar sempre que ela acompanhava sua mãe ao trabalho. Eu a esperava no jardim, e juntas, inventávamos novos jogos, explorávamos cada canto da mansão, e até mesmo criávamos códigos secretos para nos comunicarmos à distância. Ela me ensinou como ser corajosa, como encontrar alegria nas coisas simples, e como ver o mundo de uma maneira que eu nunca tinha imaginado. Eu, por minha vez, a envolvia em minhas fantasias e histórias, e juntas, nos tornamos inseparáveis.

Lembro-me de um dia específico, alguns meses depois que nos conhecemos, em que estávamos deitadas na grama, olhando para o céu. As nuvens formavam figuras engraçadas, e Toni começou a apontar quais animais conseguia ver. Eu ri, feliz, e então, de repente, senti uma onda de gratidão. Olhei para o perfil dela, seus cabelos cacheados espalhados pela grama, e soube que tinha encontrado alguém especial, alguém que eu nunca queria perder.

— Toni —  comecei, hesitante. — Você acha que vamos ser amigas para sempre?

Ela virou a cabeça para me olhar, seus olhos grandes e sinceros.

— Eu acho que sim — respondeu com simplicidade, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — Eu quero ser sua amiga para sempre, Cheryl.

E naquele momento, fiz uma promessa a mim mesma: faria de tudo para manter Toni em minha vida. Não importava o que acontecesse, eu sabia que precisava dela ao meu lado. Mesmo sendo tão jovem, já sentia que nossa amizade era algo raro, precioso, algo que não podia ser substituído.

À medida que os anos passaram, essa promessa se fortaleceu. Toni e eu crescemos juntas, enfrentamos os desafios da infância e da adolescência, e descobrimos mais sobre quem éramos e o que queríamos do mundo. A partir daquele dia no jardim, nossas vidas se entrelaçaram de uma maneira que eu nunca poderia ter previsto. E olhando para trás, percebo que o momento em que conheci Toni foi o início de tudo — o começo de uma jornada que moldaria não só quem eu era, mas também quem eu me tornaria.

E assim, a menina que conheci naquele dia quente de verão se tornou mais do que minha amiga. Ela se tornou minha parceira de vida, minha confidente, e eventualmente, o amor da minha vida. Mas naquele dia, tudo o que eu sabia era que tinha encontrado alguém que me entendia de uma maneira que ninguém mais entendia. E, mesmo sem saber, minha vida mudaria para sempre.

Caleidoscópio (Choni)Onde histórias criam vida. Descubra agora