— Sinto muito, mas eu nego! — afirmei, minha voz ecoando com uma confiança que tentava mascarar as dúvidas que cresciam dentro de mim. O brilho do luar invadia a estrada desenhando sombras alongadas sobre nós três. O rosto de Roshawn estava calmo, quase sereno, enquanto Tavin desviava o olhar, claramente em conflito. — Não vou abrir mão da minha causa pessoal. Talvez essa não seja a escolha mais sensata, mas é a minha decisão.
Roshawn suspirou, e o som profundo carregava uma frustração quase tangível. Ele me olhou com algo entre a exasperação e a compaixão, enquanto Tavin, sempre o leal apoiador, apertou meu ombro em um gesto que queria ser reconfortante, mas que só aumentou minha indignação.
— Aysha — começou Roshawn, a voz baixa e suave, mas com uma firmeza que eu não podia ignorar. — Vou dar-lhe tempo para reconsiderar. Afinal, essa não é uma decisão fácil.
O tom frio e controlado dele me irritava ainda mais. Quem ele pensava que era? Um ser imortal manipulando nossas escolhas como se fossem meros movimentos em seu tabuleiro particular? Eu não seria sua jogadora obediente.
— Talvez eu considere sua proposta — respondi, com um sorriso sarcástico. — Depois de exterminar cada lobisomem. Só talvez.
O rosto de Roshawn ficou tenso, uma faísca de raiva cruzando suas feições por um breve momento antes de ele recuperar a calma.
— Aysha, não brinque com assuntos sérios. — Sua voz soou baixa, mas afiada como uma lâmina. — Você tem ideia de quantas vidas inocentes estão em jogo por causa desse seu desejo de vingança? Cassius, seu pai, não desejaria que você sacrificasse a paz em nome de uma retaliação cega.
— Não ouse trazer meu pai para essa conversa! — gritei, sentindo as palavras saírem com um misto de raiva e dor. A perda da minha família era uma ferida aberta, e enquanto eu não obtivesse minha vingança, o peso dessa dor continuaria a me esmagar. — Ele não está aqui para me proteger!
Tavin, que conhecia minhas feridas mais profundas e a culpa que carregava, interveio com uma suavidade inesperada.
— Você era apenas uma criança, Aysha — ele murmurou, os olhos cheios de compreensão. — Não podia proteger sua família de uma ameaça tão brutal. Pare de se culpar por algo que nunca esteve ao seu alcance.
Desviei o olhar, fixando-o na escuridão além da estrada. O peso de suas palavras doía mais do que qualquer ataque. E, antes que as lágrimas traíssem minha determinação, decidi afastar-me. Mas os dois me seguiram em silêncio, os passos pesados ecoando no ambiente vazio.
— E agora? O que você quer de mim? — perguntei a Roshawn, voltando-me para ele. O confronto estava em meus olhos, e eu sabia que ele podia ver. A noite ainda estava começando, e algo me dizia que não terminaria sem um embate entre nós.
— Vou com vocês. — Ele disse, como se fosse a coisa mais simples do mundo, antes de abrir a porta do passageiro com um gesto calculado.
— E como você sabe para onde estamos indo? — perguntei, com a desconfiança clara na voz. A confiança fria e distante de Roshawn fazia minha raiva crescer.
Ele me lançou um olhar de canto, com um sorriso que me irritou ainda mais. — Eu já sabia dos lobisomens. Estava a caminho do metrô, onde você e Tavin também estão indo, pelo visto. Obra do acaso... ou do destino?
O tom sarcástico dele reverberou no ar, e eu tive que conter o impulso de lhe lançar um olhar mortal.
— Tavin, isso é impossível! — exclamei, o choque e a descrença estampados no meu rosto. — Se outros membros da organização descobrirem que estamos com ele, não teremos escapatória. Eles nos matarão sem piedade!
— Traição, eu sei. — Tavin concordou com um aceno lento, o olhar sério. — Mas você tem a proteção do filho de Hades. E, Aysha, eu estou ao seu lado.
— Não me importo com isso, Tavin. — De repente, minha voz ficou mais fria. — Nosso dever é caçar e exterminar os imortais. E ele... ele precisa ser morto. Se você não fizer algo, eu mesma farei. E não hesitarei em matar vocês dois, se necessário.
O suspiro de Tavin foi longo e pesado, como se minhas palavras tivessem atingido um ponto sensível dentro dele. Sem dizer mais nada, ele abriu a porta de trás e entrou no carro, claramente abatido. Dei a volta, sentindo um turbilhão de emoções confusas, e entrei no carro, batendo a porta com força. Tinha que manter a cabeça fria. Havia uma missão pela frente.
Depois de um silêncio carregado, Roshawn me mandou um olhar de soslaio, um brilho estranho no olhar.
— Me diga, Aysha, o que você realmente sabe sobre o passado? — Ele perguntou, casualmente, mas com uma intensidade que me fez encará-lo.
— Passado? — rebati, tentando medir suas intenções. — De qual parte, exatamente?
Ele ergueu uma sobrancelha, um toque de impaciência surgindo em seu rosto. — Como assim, “parte”? Estou falando do passado, Aysha. Da história que você esqueceu. Dos séculos de guerra e das razões pelas quais os humanos e imortais se enfrentam.
— Quantas décadas estamos falando? Ou devo dizer... séculos? — continuei, tentando manter a calma e ao mesmo tempo entender o que ele realmente queria.
Roshawn virou-se completamente para mim, seu rosto iluminado pelo brilho pálido da lua, os olhos queimando como carvões.
— Cinco séculos. — A palavra soou como uma sentença.
Engoli em seco, a surpresa me atingindo. Cinco séculos. A extensão de sua vida era um lembrete cruel da nossa fragilidade, de tudo o que eu jamais seria capaz de compreender por completo. Ele existia desde antes que qualquer registro da nossa organização sequer começasse. E, naquele momento, percebi que havia muito que eu não sabia.
Ele inclinou-se um pouco para frente, a voz baixa e suave, mas carregada de uma determinação feroz.
— Aysha, você pensa que está sozinha, que é a única lutando por algo. Mas a verdade é que estamos todos em busca de redenção, de um propósito maior. E, por mais que odeie admitir, você e eu queremos a mesma coisa: um fim para tudo isso. — Ele fez uma pausa, e, por um breve momento, seu olhar tornou-se quase... humano. — O que você vai escolher, Aysha? Vingança ou paz?
As palavras dele ecoaram no silêncio que se seguiu, preenchendo o espaço entre nós com uma tensão palpável. Eu não sabia o que responder. Vingança ou paz? A escolha parecia simples, mas as consequências se estendiam como um abismo sem fim. Olhei para frente, o caminho à nossa frente se perdendo na escuridão.
E, naquele momento, tudo o que restava era o silêncio, pesado e cheio de perguntas que talvez eu nunca estivesse pronta para responder.
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Negociando Com a Morte
RandomEm um mundo devastado pela guerra entre humanos e imortais, a morte de Hades, o temido líder dos imortais, desencadeia um caos que força seus seguidores a se esconderem nas profundezas do submundo e nas sombras do mundo humano. Quase cinco séculos d...