Eu lutava contra o impulso violento de matar Roshawn e torturar Tavin. A ideia de vê-los sofrer, de arrancar-lhes os membros e dentes um a um até implorarem pela morte, era quase sedutora. Mas, estranhamente, algo dentro de mim segurava essa fúria. Era como se uma voz sussurrasse: confie naquele homem desprezível, que se autoproclamava filho de Hades, o Rei dos Imortais. Ele, o meu maior inimigo. E se ele fosse quem dizia ser? Se isso fosse verdade, eu provavelmente já estaria morta, com uma morte lenta e dolorosa apenas por ousar falar com ele. Mas por que, então, eu sentia essa estranha atração por ele? Por que uma parte de mim queria confiar naquele ser amaldiçoado?
Após uma longa viagem, o metrô se aproximava. Saímos do carro e, sem mais pensar, decidi me afastar.
— Para onde você vai? — Tavin perguntou, a expressão no rosto demonstrando preocupação.
— Vou ver se encontro algum licantropo... eu não sei. Preciso respirar. — Respondi, evitando seu olhar.
Roshawn arqueou uma sobrancelha, esboçando um sorriso sarcástico.
— Ir sozinha é perigoso. Acho melhor ficar conosco — ele disse, a voz baixa e fria, mas com um leve traço de preocupação.
Olhei para ele com ironia. — O futuro líder dos imortais preocupado comigo? Difícil de acreditar. — Sem esperar resposta, virei as costas e os deixei para trás.
Assim que entrei no metrô, a cena diante de mim era um retrato de horror. As paredes estavam marcadas por profundos arranhões e manchas de sangue fresco. O cheiro metálico impregnava o ar, misturado com o de carne queimada. Corpos de lobisomens e caçadores estavam espalhados, testemunhas mudas da brutalidade recente. Mas, em meio ao caos, surgiam sinais de esperança: paramédicos e policiais, alguns com uniformes manchados de sangue, trabalhavam incansavelmente para resgatar os sobreviventes.
Agarrei firmemente minha arma, sentindo o conforto que seu peso trazia. Avancei silenciosamente pelos corredores escuros, cada passo meticulosamente calculado. Meu coração batia acelerado, e a adrenalina corria por minhas veias, aumentando minha atenção. O som distante das sirenes e as vozes abafadas ao fundo tornavam a atmosfera ainda mais sinistra.
Entre os corpos espalhados, vi alguns sobreviventes feridos, encostados nas paredes, seus olhares perdidos e assustados. A dor e o trauma estavam estampados em seus rostos. Ofereci ajuda até que alguns paramédicos chegaram. Com um último olhar, continuei minha busca, ansiosa para encontrar algo... ou alguém.
Então, à minha frente, um brilho sinistro. Olhos amarelos de um lobisomem me observavam das sombras. Ele rosnou, as presas à mostra, pronto para atacar. Sem hesitar, ergui minha arma. O lobisomem investiu, as garras buscando rasgar minha pele. Meus reflexos foram rápidos, e desviei dos ataques, retaliando com golpes precisos. Cada tiro fazia o monstro recuar, uivando de dor, enquanto a adrenalina transformava a luta em uma dança mortal. Com um último movimento, apontei a arma para sua cabeça e puxei o gatilho. O corpo caiu aos meus pés, imóvel, retornando à forma humana.
Suspirei aliviada, mas sem baixar a guarda. Continuei explorando o local, mas uma sensação familiar de culpa me invadiu, como aquela que carregava há 12 anos.
Minha busca parecia infrutífera, e eu já pensava em retornar para me reunir com Tavin e Roshawn. Mas, de repente, fui surpreendida. Dois lobisomens surgiram de lado, atacando com fúria. Tentei defender-me, mas suas garras afiadas rasgaram minha pele, e a dor lancinante fez minha visão escurecer. Eu estava prestes a perder as forças, quando uma sombra se interpôs entre mim e eles.
Era Tavin, ao lado de Roshawn.
Com uma destreza impressionante, Tavin se jogou contra os lobisomens, empunhando uma adaga de prata. Ele se movia como se a própria escuridão o guiasse, cada golpe preciso, sua postura firme e concentrada. Roshawn segurou-me pelos ombros e me puxou para trás, protegendo-me.
— Você está bem? — ele perguntou, a voz baixa e firme.
Afastei as mãos dele. — Claro que estou. Só fui pega de surpresa. Achei que tinha eliminado todos — respondi, forçando um sorriso de bravata.
— Não é o que parece — Roshawn murmurou, apontando para Tavin. — Olha pra ele, lutando como se a sua vida dependesse disso.
Observei Tavin, fascinada. — Nunca o vi lutar assim...
Ele se aproximou, respirando pesadamente, mas com os olhos fixos nos meus. Com um movimento lento, tocou meu rosto, a expressão suavizando.
— Obrigada... — sussurrei, genuinamente grata.
— Faria qualquer coisa por você, Aysha — ele disse, sem tirar os olhos dos meus.
Engoli em seco. — Você salvou a minha vida, mas... — hesitei, o rancor crescendo ao lembrar que ele tinha se juntado a Roshawn, um imortal.
Tavin assentiu, como se soubesse exatamente o que eu estava pensando. — Eu sei... e entendo a sua desconfiança. Só quero que saiba que... — sua voz falhou por um segundo, mas ele logo recuperou o tom firme — sempre estarei ao seu lado.
Roshawn, impaciente, interrompeu o silêncio. — Vamos sair daqui? Estamos chamando muita atenção.
Assenti, e juntos, deixamos o local.
— Aysha, encontramos Tyler na entrada do metrô. Ele estava conversando com alguns policiais. Veio te procurar — Tavin disse, olhando de soslaio.
Um sorriso escapou, breve, ao ouvir o nome de Tyler. Ele era o líder da equipe 1 e meu mentor. Há dois anos, ele me preparou para substituir seu posto quando decidiu se aposentar. "Estou velho demais para brincar com o paranormal", ele dizia. Mas, mesmo afastado, sempre me apoiava.
— E Roshawn, você não tem medo de ser reconhecido pelos outros membros da nossa organização? - perguntei, tentando decifrar a expressão arrogante que ele sempre carregava.
Ele soltou uma risada seca, carregada de desprezo. — Por que eu teria? Os humanos acreditam que os filhos de Hades foram exterminados junto com ele. Além disso, com as minhas habilidades, manipular vocês é... simples.
Suas palavras eram tão frias quanto uma lâmina gelada cortando o ar. Um arrepio percorreu minha espinha. Ele não precisava de armas ou aliados para ser perigoso. Esse era o filho do rei do Submundo, um ser com o poder de controlar sombras e mentes humanas, um vampiro que podia se infiltrar em qualquer lugar e manipular qualquer pessoa sem que sequer percebessem.
— Veremos, Roshawn - murmurei, a voz carregada de desconfiança e desafio. Mesmo sabendo que precisaria dele para alcançar meus objetivos, não deixaria que ele pensasse que estava no controle.
Eu não podia mais confiar em Tavin, e muito menos em Roshawn, mas precisava de ambos para sobreviver. E mais do que isso: precisava deles para chegar ao meu verdadeiro objetivo. Acabar com os imortais? A paz entre os mundos? Não. Isso era irrelevante. O que me movia era o desejo ardente de vingança.
A guerra que devastava humanos e imortais não era o meu foco. Eu não descansaria até arrancar daqueles monstros a dor que eles haviam me causado. Até vê-los sofrer como eu sofri. Até encontrar quem estava por trás do massacre da minha família e destruí-lo com minhas próprias mãos.
A dúvida e o perigo rondavam cada passo que eu dava, mas nada disso importava. A justiça era um luxo que eu não podia me dar. Minha busca era por vingança, e eu estava disposta a fazer qualquer coisa, aliar-me a qualquer pessoa, para obtê-la. Queimar o mundo inteiro se fosse necessário. E se Roshawn pensava que podia me manipular, era porque ainda não sabia com quem estava lidando.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Negociando Com a Morte
RandomEm um mundo devastado pela guerra entre humanos e imortais, a morte de Hades, o temido líder dos imortais, desencadeia um caos que força seus seguidores a se esconderem nas profundezas do submundo e nas sombras do mundo humano. Quase cinco séculos d...