— Vamos, Aysha. Me fale sobre o que você sabe sobre o passado — insistiu Roshawn, agora com uma impaciência que não fazia questão de esconder.Um arrepio percorreu minha espinha. A pergunta era a mesma, mas o tom era diferente, carregado de urgência e um leve toque de ameaça. Lembrei-me das palavras de Lordon, nosso líder, proibindo-nos de investigar o passado. Havia uma névoa de mistério em tudo o que aconteceu séculos atrás, algo que ele insistia que deveria permanecer oculto.
— Sou mortal, Roshawn. Como eu saberia o que aconteceu há quinhentos anos? — retruquei, forçando uma risada irônica enquanto meu coração martelava no peito. Tentei disfarçar o nervosismo, mas estava claro que ele não compraria minha tentativa de evasão.
Ele me encarou com um olhar penetrante, que parecia enxergar através de qualquer fachada. — Não se faça de tola, Aysha. Você é filha de Cassius, o maior historiador que já existiu. Ele sabia tudo sobre o passado. E, caso você ainda não saiba, deixou registros escondidos especialmente para você.
Fiquei imóvel, sentindo o choque me atingir como uma onda gelada. Registros do passado? Cassius nunca me falou nada sobre isso. Meu pai, o homem que eu achava conhecer tão bem, guardava segredos que até agora escapavam do meu entendimento. — Como você sabe disso? — perguntei, tentando manter a voz firme, embora minha mente fosse um turbilhão de perguntas.
Roshawn se inclinou um pouco para trás, os olhos suavizando com algo que parecia... nostalgia? — Eu conheci seu pai, Aysha. Cassius era meu amigo — disse ele, com uma voz que, por um breve momento, deixou escapar uma ponta de tristeza.
Meu coração acelerou. A ideia de que esse vampiro, o filho de Hades, pudesse ter sido amigo do meu pai era inconcebível. Eu não sabia se podia confiar, se aquilo era uma armadilha ou se ele estava realmente sendo sincero.
— Vamos mudar a rota. Vamos para minha casa — Roshawn sugeriu, interrompendo o silêncio.
— Sua casa? No submundo? — exclamei, um toque de horror escapando na minha voz. A ideia de ir até o reino de Hades, onde os imortais viviam, era a última coisa que eu desejava.
Ele soltou um sorriso divertido, quase zombeteiro. — Não se preocupe, Aysha. Tenho algumas propriedades aqui também. Você é a única humana que sabe que sou imortal, sabia?
— E espera que eu acredite nisso? — perguntei, tentando esconder meu medo com sarcasmo.
Roshawn deu uma risada baixa e despreocupada. — Pouco me importa no que você acredita ou deixa de acreditar. — Seu tom era frio, indiferente.
— Na verdade, senhor, importa sim — murmurou Tavin, como se falasse mais para si mesmo do que para Roshawn. Sabia que, se precisassem da minha ajuda, a confiança era essencial.
Roshawn virou-se lentamente para Tavin, com uma expressão que mesclava irritação e desprezo. — Disse alguma coisa, irmão?
— Nada, senhor — respondeu Tavin, desviando o olhar. Havia algo de vulnerável na expressão dele, e não pude deixar de me perguntar o quanto Tavin sabia e não estava revelando.
Eu estava ali, presa entre um imortal arrogante e meu suposto companheiro, que agora parecia um completo estranho. Era impossível saber em quem confiar. A única coisa certa era que eu precisava encontrar uma saída.
— Siga em frente e entre na primeira rua — Roshawn ordenou, com a voz autoritária.
Ignorando-o, continuei dirigindo na direção oposta. Não daria a ele o prazer de me controlar tão facilmente.
— Não! — respondi, firme, deixando claro que não seria uma marionete em suas mãos.
Ele franziu a testa, claramente surpreso com minha resistência. — Como assim, “não”? — Sua impaciência era palpável, como se não estivesse acostumado a ser contrariado.
Sorri, com uma ironia que só aumentava a tensão. — Foi interessante “conversar” com você, senhor Yoshida, herdeiro de Hades. Mas tenho minhas próprias missões e obrigações. Não sou uma de suas peças manipuláveis.
Roshawn apertou o punho, seus olhos se tornando duas fendas sombrias. — Quem você pensa que é para falar comigo dessa maneira?
— Um desprezível arrogante — respondi, meu tom gélido. — No seu mundo miserável, talvez seja tratado como um rei, mas aqui... aqui você é apenas um inimigo. Não confunda as coisas.
Ele me observou em silêncio, o queixo tenso. — Então, por que não me mata agora? — questionou, estendendo a mão levemente, um brilho branco e ameaçador emanando de seus dedos, como se estivesse pronto para atacar ou defender.
Senti meu coração acelerar, mas mantive o tom firme. — Porque ainda não decidi se você vale a pena — murmurei, dando-lhe um sorriso frio.
Roshawn se ajeitou no banco, o silêncio tomando conta do carro, denso e carregado de ressentimento. Tavin, nervoso, pigarreou, tentando aliviar o clima.
— Senhor, por que o senhor não segue à frente? — perguntou Tavin, com uma voz que tentava ser casual, mas traía sua ansiedade.
Roshawn ignorou a pergunta e, fingindo indiferença, perguntou: — E como está a situação no metrô?
Tavin suspirou, a expressão séria. — Alguns cidadãos relataram atividades estranhas. Enviamos uma equipe da organização para investigar, mas o alfa estava lá. Todos foram mortos.
Roshawn deu uma risada seca. — Todos? — O sarcasmo era claro em sua voz. Ele parecia se divertir com a informação, o que só aumentava minha irritação.
— Esses malditos lobisomens. — Minha raiva aumentava a cada segundo, e apertei o volante com força. — Mal posso esperar para acabar com pelo menos um deles.
Roshawn me lançou um olhar enojado. — Você realmente acha que atacar é a melhor solução? Eles não são tolos. É natural que se defendam. Vocês humanos, afinal, têm esse hábito de provocar e depois se fazer de vítimas.
— Ah, claro! — rebati, meu tom carregado de desprezo. — Talvez se os imortais ficassem naquele buraco que chamam de “mundo”, não precisássemos caçá-los!
Ele soltou um suspiro pesado, exasperado. — Chega. Estou cansado de ouvir essa ladainha. Vocês atacam porque têm medo. E, acredite, medo é a única coisa que os mantém vivos.
— Aysha, por favor — Tavin interveio, sua voz baixa, tentando acalmar a situação. — Controle-se. Estamos numa missão.
Respirei fundo, ainda dominada pela raiva, mas consciente de que ele estava certo. Eu não podia me deixar levar pelas emoções, ainda mais agora que estávamos próximos do nosso destino.
O silêncio retornou, mas desta vez era quase sufocante. Cada um de nós estava absorto em seus próprios pensamentos, ciente dos riscos que se aproximavam. Sabíamos que o caminho à frente seria sombrio e cheio de perigos, e, no fundo, tínhamos consciência de que, no fim, seria impossível escapar ilesos.
A única pergunta que restava era: quem ainda estaria vivo quando a noite terminasse?
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Negociando Com a Morte
AcakEm um mundo devastado pela guerra entre humanos e imortais, a morte de Hades, o temido líder dos imortais, desencadeia um caos que força seus seguidores a se esconderem nas profundezas do submundo e nas sombras do mundo humano. Quase cinco séculos d...