Pontas Soltas III

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Toda a situação escalou rápido demais para o gosto de Sasuke. Hoje amanheceu um dia normal como qualquer outro nos últimos dois meses, com a única diferença que ele finalmente reuniu coragem o suficiente para folhear o livro de receitas que ele ainda tinha vagas lembranças de assistir sua mãe ler antes de preparar alguma refeição ou lanche, algo que ficou instigando-o nos limites de sua consciência desde que ele finalmente decidiu limpar sua casa de infância no decadente Distrito Uchiha. Se era que ainda poderia ser chamado de distrito nesse ponto.

Sasuke nunca teve qualquer interesse em cozinhar, e toda simples técnica e habilidade básica que ele desenvolveu nesse âmbito foi apenas o mínimo necessário para manter uma dieta equilibrada e adequada à rotina de um shinobi. Seu interesse naquele livro de receitas, que não continha nada particularmente extravagante e era caseiro até o núcleo, não foi algo que ele esperava.

Mas Sasuke supunha que era apenas mais uma das inúmeras letras miúdas que ele não havia visto quando tomou a decisão de revisitar sua casa de infância e fazer uma faxina completa com a equipe sete. Tal qual a nostalgia e o ressurgimento indesejado de memórias antigas de volta à superfície. Memórias como a cena única, estática e muito vívida de sua mãe na bancada daquela mesma cozinha, preparando onigiris decorativos tradicionais Uchiha para o lanche daquela tarde, o livro aberto ao seu lado enquanto ela, que não era uma cozinheira nata, o consultava a cada etapa concluída, o pequeno Sasuke sentado em uma cadeira assistindo ansiosamente em espera pela sua comida.

Quando ele encontrou o livro empoeirado ali na cozinha, numa pequena prateleira ao lado de um punhado de outros livros relacionados a cozinha que sua mãe comprou ou recebeu de presente ao longo dos anos, e o pegou fisicamente pela primeira vez na sua vida para folhear, não apenas bisbilhotando por cima do ombro de sua mãe, Sasuke chorou. Foi constrangedor, e ainda hoje ele não conseguia dizer exatamente porque as lágrimas desceram tão rápido e sem aviso, somente ao ler o nome de sua mãe escrito embaixo do nome sua avó paterna, embaixo de um outro nome que Sasuke só poderia supor ser de uma de suas bisavós que ele nunca conheceu.

Ele ainda se sentia estranhamente confortado com o fato de que a única testemunha de suas lágrimas fosse Kakashi-sensei, mesmo que Naruto e Sakura certamente tivessem notado seus olhos um pouco mais vermelhos que o normal depois. Seus dois companheiros não comentaram nada, e Kakashi não o tentou confortar fisicamente como ele faria se fosse Naruto, e Sasuke sentiu a gratidão e admiração – amor – pela sua equipe crescer só mais um pouquinho.

A... estranha ânsia de colocar seu nome embaixo do de sua mãe, com o estranho sentimento de indigno torcendo lado a lado em seus intestinos, o atormentaram durantes dias, o livro que ele levou para casa e guardou cuidadosamente por entre os livros e pergaminhos Uchihas, o chamando toda vez que ele ia dormir, de seu lugar imprensado no espaço de sua estante dedicado aos escritos de seu Clã e Família. Sua mão coçava para pegar um pincel e escrever os seis kanji de seu nome, mas o sentimento de inadequação o consumia antes que ele pudesse sequer pensar em fazer essa simples ação.

Em vez de refletir mais a fundo sobre esses sentimentos que tanto o perseguiam, o desejo de tentar cozinhar algumas daquelas receitas foi o que venceu, apaziguando o sentimento de inadequação somente quando ele estava numa bancada de cozinha tão diferente das suas memórias e da sua última visita, com três pessoas esperando ansiosamente pela sua comida atrás dele como tantas vezes ele mesmo fez com sua mãe. Porque mesmo que Naruto e Sakura mantivessem a conversa fluindo com desconexão às suas ações, mesmo que Kurama quase parecesse dormir sob os carinhos de seu jinchuuriki, Sasuke sabia.

O puro alívio e satisfação que o atingiram com força aos elogios sinceros de seus companheiros embaraçaram Sasuke tanto quanto fizeram a sensação de indigno ir embora, revigorando a coceira para apenas ir lá e escrever seu nome, que agora ele era digno de usar aquele livro que seus ancestrais compilaram, que sua família deixou pra ele. Que a família que ele agora tinha em tudo menos no sangue aprovava o uso de sua herança.

O Destino que se MereceOnde histórias criam vida. Descubra agora