O conceito de tempo independe de crenças.A prova de sua existência é irrefutável. Baseando-se nesse princípio, a civilização estabeleceu horários para que a sociedade pudesse se organizar.
Entretanto, por algum motivo inexplicável, Alissa, que insiste em desprezar a utilidade do seu relógio.
Somos praticamente irmãs de criação, são anos de atraso, anos em que eu sinto uma vontade quase psicótica de enfiar um despertador guela abaixo em sua garganta.
Ela teve a sorte de ser uma das minhas pessoas favoritas no mundo, e eu, o azar de lidar com seu espírito livre e desenfreado.
— Foi por causa do trabalho — abre a boca, pronta para me refutar. Sei que é seu dia de folga, mas ela me interrompe assim que percebe minha intenção:
— Não o trabalho que somos obrigados a realizar como robôs. Eu estava cuidando do meu desenvolvimento pessoal, autocuidado — a loira diz, sua pele bronzeada reflete no sol como se houvesse uma iluminação divina em sua aura.
A voz da maldita nem treme.
— Cuidar de si mesma significa me deixar mofando enquanto te espero? — questiono, enquanto minha paciência se esvai.
— Hoje você acordou com um humor pior do que o normal. Deus me proteja! — ela faz um crucifixo exagerado com as mãos – Está assim por causa da tia Susan?
Meu rosto se contorce instantaneamente ao ouvir o nome da minha mãe:
— Esse atraso vai ser o ponto de partida para as críticas do dia – esclareço, lembrando da dor de cabeça que tive da última vez em que cheguei trinta e quatro minutos atrasada para o nosso almoço mensal.
Maldito seja o trânsito de São Paulo!
— Sejamos sinceras, só é tão ruim porque você tem o pavio curto. Se conseguisse segurar a língua e sorrir mais, sua relação com ela melhoraria – comenta com tom doce, seu jeito discreto de me insultar – Mas você não tem essa capacidade. Aposto uma saída com tudo pago, para o lugar que você escolher, que você não consegue passar uma tarde inteira sem discutir com sua mãe.
Ela está me manipulando, obviamente. Mas meu ego é grande demais para ignorar a proposta.
— A partir de agora, sou a rainha da simpatia. Se olhar bem, vai ver purpurina brilhando ao meu redor – sorrio de forma caricata.
Estávamos a apenas uma quadra do apartamento de Susan. O certo seria ter entrado assim que cheguei, para evitar comentários desnecessários sobre minha irresponsabilidade em deixá-la esperando; porém, não tenho qualquer pretensão de passar mais tempo do que o necessário com minha mãe, não hoje.
Arrumei desculpas nos últimos dois encontros, e tenho certeza de que ela quer minha cabeça em uma bandeja por causa disso.
Lidar com pessoas é essencialmente complicado, mas lidar com minha mãe é como encarar com uma versão pior de mim, um campo minado.
O porteiro é avisado da nossa chegada e abre os portões imediatamente. Dou um aceno educado enquanto a loira ao meu lado o cumprimenta pelo nome. A mulher que me deu à luz estava pronta para nos receber quando chegamos ao andar de seu apartamento. Ela abraça minha melhor amiga com entusiasmo e, em seguida, vem ao meu encontro.
Em seguida Susan me encara, ela, assim como eu, não possui a capacidade de disfarçar o olhar de reprovação.
— Pensei que tinha morrido – reclama, passando os braços ao redor de meu corpo sem encostar muito, visto que minhas mãos estão ocupadas – Você passa tanto tempo trancada naquele novo apartamento que, se morrer, vão demorar semanas até começarem a te procurar.
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Discrepantes
RomanceAnanda decretou que melhor forma de lidar com o mundo é a distância. Inflexível e introspectiva, ela prefere o conforto do seu próprio espaço a interações sociais. Se pudesse, compraria uma sala de cinema inteira só para evitar as pessoas. Thomas...