Capítulo 3

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Capítulo 3

Existe algo na raça humana, cercado de vulnerabilidade. 

Somo criaturas grupais. Desde os primórdios a nossa espécie se provou compulsoriamente sociável. Desenvolvemos leis, linguagens, culturas, e tudo se deve ao fato de que essa espécie tem a necessidade de se manter próxima de seus semelhantes.

Existe uma espécie de herança psíquica  encrustada em nosso DNA desde os tempos em que vivíamos em cavernas e o mundo era perigoso demais para criaturas peladas e frágeis como nós. Naquela época, ficar sozinho não era apenas uma escolha excêntrica; era uma sentença de morte.

Aprendi há anos que embora eu aprecie longos períodos solitários em silêncio, é impossível viver assim permanentemente. Não importa o quão sofisticados e autossuficientes gostemos de nos imaginar, ainda há uma parte de nós que sente que estar sozinho é estar vulnerável.

Descarto a ideia de relacionamentos sérios, mas este instinto ainda me força a gostar da companhia de algumas pessoas bem específicas. 

Não me considero uma particularmente afetuosa, mas me apeguei a um bando de maníacos desorganizados e exageradamente sentimentais que me tiram da zona de conforto com frequência, debocham da minha filosofia de solteira e se recusam a deixar minha vida amorosa nas mãos de alguma entidade sobrenatural que aceite o desafio.

— Vou ligar para o pessoal, eles precisam saber — ela se materializou ao meu lado, enquanto tirava mais um produto estranho do rosto com o auxílio de um algodãozinho, finalizando a própria rotina de skincare.

— Não.

Os métodos deles para tentar encontrar alguém que prenda meu interesse por mais de uma semana são insuportáveis. Mas Alissa possui algo que o restante do grupo não tem: acesso  irrestrito ao meu apartamento sem aviso prévio.

Ao menos uma vez por semana ela surge aqui, por vezes dorme no meu apartamento, bagunça minhas coisas e me arrasta brutalmente até o sofá para assistirmos comédia romântica.

Nesse exato momento, ela andava para lá e para cá entre a pia do meu banheiro e os outros cômodos da casa, realizando seus cuidados noturnos. Paralelamente, eu estava na cozinha, preparando algo para beber antes de deitar. Alissa não pode tomar café, então pensei em um suco calmante. Ela não tem um botão de desligar, logo, só me resta forçá-la a dormir.

Nos direcionamos ao meu quarto, e ela se espalha na minha cama como se fosse a dona da casa. 

— Você não tem escolha. Decidiu não me contar os detalhes, então eu preciso de ajuda para teorizar – ela afirma enquanto eu me sento ao seu lado com os copos na mão.

— Ligue para os outros e eu soco esse telefone na sua guela com carregador e tudo – ameaço  – Que maldita obsessão é essa que vocês têm com a minha vida?

— Você é um poço de estresse, precisa aprender a relaxar um pouco. Devia fazer terapia para raiva – finjo que estou ouvindo enquanto bebo meu suquinho de maracujá, não gostando nada do rumo dessa conversa – ou dormir com alguém. Já faz quanto tempo?

Engasgo com a bebida nessa última parte.

— Merda – tossi e praguejei, mas consegui me recuperar rápido.

— Esse mau humor todo com certeza é falta de...

— Já tem uma mulher insuportável esquentando a minha cama – corto – não preciso de um homem também.

Ela demora um pouco para assimilar o que estou dizendo, mas logo em seguida devolve com um sorriso sarcástico:

— Sim, você tem sorte de ter uma mulher linda, que claramente é muita areia para o seu caminhãozinho, dormindo no seu quarto hoje. Mas, infelizmente para você, eu não trabalho com esse tipo de entretenimento.

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