Capítulo 7

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- THOMAS -

Chegar até o prédio foi um desafio pior do que deveria, com a chuva pesada, torna-se difícil enxergar muito longe. Dou um jeito de chamar a atenção do porteiro.

Cumprimento o porteiro Dimas com correria, sem o tempo a perder. Pergunto sobre Ananda, se ele a viu, se algum estranho entrou no apartamento nas últimas horas.

Thomas, preciso de ajuda.

Suas últimas palavras martelam em minha cabeça incessantemente.

Pergunto se existe uma chave extra. Alguns prédios tem o costume de deixar chaves com os porteiros por motivos de segurança.

Ele libera meu acesso e eu parto em disparada até apartamento. Sequer bato na porta, entro em sua casa completamente afoito e encharcado.

Me deparo imediatamente com o corpo dela estirado no chão.

— Ananda – chamo pela primeira vez, na tentativa de acordá-la. Seu corpo não está em repouso como alguém que dorme em paz, sua feição está fechada e seus músculos estão rígidos e curvados em posição fetal.

Um milhão de possibilidades terríveis invadem minha mente sem que eu tenha qualquer controle, no pior cenário, a mulher a minha frente está...

Balanço a cabeça, enxotando a histeria.

Me ponho de ajoelhos ao seu lado.

Coloco dois dedos à frente de sua cama e meus batimentos cardíacos desaceleraram gradualmente ao sentir que ela está respirando. Em seguida apoio minha palma em sua testa e a sinto grudenta, queimando em febre.

Não está morta, mas se estivesse seria culpa sua, por chegar tarde.

As vozes se repetem em minha mente enquanto a coloco nos braços. Existe um hospital bem perto daqui, sei que ela está frágil e não pode pegar friagem, mas não posso esperar uma ambulância.

Desço o elevador com ela em meus braços, ainda pensando no que fazer.

Agradeço aos céus quando Dimas oferece seu carro emprestado. Trato de colocar Ananda lá dentro o mais rápido possível e dou partida com a mente acelerada.

Não penso no trânsito, não penso na chuva, sequer penso no que a deixou neste estado. Atravesso a porta da emergência gritando por ajuda, meu coração martelando no peito.

Observo com desespero as enfermeiras depositarem seu corpo na maca, elas estão tão focadas em levá-la para longe que mal notam quando seu braço fica largado para fora da base, mole e perturbador, como se não houvesse mais vida.

Sinto meus músculos enrigecerem com a cena, não é a primeira vez que me deparo com essa situação. As palmas das minhas mãos suam, perco o controle sobre a minha respiração, e sinto meu coração bater engaiolado contra as costelas.

Não suporto a sensação de passar por isso de novo.

Sou atingido com força pelas lembranças que mais odeio; é quase como se estivesse encarando o mesmo corpo anêmico e sem vida de anos atrás.

Uma das enfermeiras toca meu ombro e me faz várias perguntas, há um ímpeto de urgência em sua voz, mas as suas palavras são quase um eco. Ela quer saber o nome completo da nova paciente, alergias, registros médicos, burocracias.

— Não tenho nada – as palavras saem sinceras e vazias da minha boca. Ela não insiste, parece convencida de minha total inutilidade, me manda sentar e aguardar com ríspidez.

Ainda com o corpo desconectado do restante do mundo, ouço ao longe a enfermeira gritar ordens para o restante da equipe, algo sobre exames de sangue, soro e checagem da pressão.

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