Capítulo V

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Em meio a todo o caos que teve que lidar em terras estrangeiras, Naemi estava levando as situações de maneira até consideravelmente melhor nos dias seguintes. Por exemplo, não necessitava mais de milhares de remédios para dormir, e nem ofuscava o seu foco com coisas muito distratoras.

Bom, talvez.

—  Não vai comer? — de imediato, Ana Cristina a tirou de sua própria transe.

Constrangida, Naemi somente assentiu com a cabeça. —  Ah, sim. É que eu não gosto muito de peixe.

— Pode me dar, então. — Júlia se manifestou, levando um cutucão da morena que sentava ao seu lado. Naemi deu de ombros e realmente, a deu o último pedaço da carne branca que havia em seu prato.

— Você 'tá bem? Anda meio aérea ultimamente. — Ana professa as últimas palavras que Naemi queria escutar.

No mesmo momento, pensou no passado. Nos jogos mal jogados. Nas punições. No constrangimento.

Naemi suspirou, tentando apagar os pensamentos tal como um pano limpo sugando uma sujeira imensa. — Tenho medo de se eu entrar em quadra acabar estragando o jogo. — eu não quero decepcionar vocês, pensou em dizer.

O rosto de Ana Cristina se suavizou, a ponta de seus lábios voltadas para baixo. — Repita isso e eu te chuto por debaixo da mesa.

Naemi arregalou os olhos para a mulher, e desta vez, foi Júlia quem a cutucou.

— É sério. Não pensa assim. — enfiou um pedaço do peixe na boca, a encarando com seriedade. — Você é boa, Naemi. Muito boa.

Os jogos começavam em um dia. E por mais que já esteve presente em diversas vésperas de eventos importantes, Naemi temia que nenhum deles chegasse aos pés deste. Se já se sentia nervosa o suficiente naquela época, bastava um sopro para que a garota desmaiasse agora.

— Você não foi escolhida por nada, te garanto. — Júlia disse, apertando a sua mão. — Você vai ter o seu momento e, quando ele chegar, você vai brilhar.

Ana Cristina fez uma careta. — Que cafona, Ju.

— Vai se ferrar.

O clima tenso ali quebrou-se facilmente, Naemi rindo junto das duas pela primeira vez no dia. Talvez, no fundo, tudo o que a mulher precisasse durante todo o seu tempo como atleta estivesse ali, na sua frente: colegas de time de verdade.

— Galera, atenção! — uma exclamação percorreu o refeitório numa única onda, imediatamente atraindo a atenção das três. Naemi engoliu seco ao ver que era Gabi, de pé na cadeira. — Amanhã nós vamos jogar contra a Alemanha, e amanhã nós vamos ganhar! Vamos na força do ódio, ok? Acredito em todas vocês!

Todas as atletas riram, aplaudindo o discurso motivador da capitã. Naemi, ainda meio tensa, aplaudiu logo depois, coçando a garganta. Ao voltar seu olhar para as colegas, percebeu que Júlia já a olhava com um sorrisinho de canto.

— 'Tá se dando bem com a capitã, Mi? — Júlia se aproximou da mesa, erguendo as sobrancelhas. — Se você me disser que não e ela ficar sabendo, ela chora.

Naemi riu, de repente sem graça. — Estou. Ela é... Uma ótima capitã.

— Belas palavras. Poéticas, até.

Naemi deu de ombros.

Desde aquela noite, cuja Naemi lembrava de suas palavras e toques até hoje, as duas não haviam trocado tantas palavras além de cumprimentos e acenos pelos corredores. Por parte, a morena admitia que a evitava, tanto em treinamentos individuais como no refeitório, assim como estava fazendo naquele momento. Naemi já se sentia confusa e, temendo ter outra oportunidade de ficar a sós com a capitã, teve receio de ficar mais confusa ainda. Como havia dito diversas vezes durante aquela viagem: não poderia focar em outras coisas agora.

O ódio está no ar | Gabi GuimarãesOnde histórias criam vida. Descubra agora