Capítulo I

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Muitos dizem que aceitar uma derrota sem se abalar é o cúmulo da maturidade.

E é por isso que, sem dúvida alguma, Naemi se considerava uma criança nesse aspecto.

Desde os seus poucos anos, quando pegou uma bola de vôlei e a jogou para o alto pela primeira vez, Naemi nunca aceitou perder. Sedenta pelo título de vencedora, a derrota não poderia sequer ser uma opção. Ela tinha que vencer. Sempre.

Porém, a vida tem dessas de te contrariar. Vitórias vem, e várias derrotas voltam. É assim que surgia um verdadeiro atleta.

A sua primeira derrota foi em um amistoso qualquer, aos seus dez anos de idade. Era o primeiro jogo que teria com seu time fora da pequena escola, e sinceramente, todas elas estavam despreparadas.

Bastaram poucos minutos de três sets para que elas saíssem do estádio carregando a fama de perdedoras nas costas. Todo ataque era bloqueado, os saques eram bem recebidos, e o pior, ninguém conseguia conter o ataque daquela ponteira adversária.

Naemi borbulhava de raiva somente ao se lembrar de seu nome.

Gabriela Guimarães.

A camisa 10 do time. Alta, mas não tanto. Cabelos cacheados sempre presos num coque alto. Olhos tão carregados de ambição quanto os seus.

Em toda fase de grupo, quando seu pequeno time finalmente conseguia se reerguer na batalha de gigantes, Gabi Guimarães e suas outras titulares acabavam com as suas esperanças em três partidas. Três partidas, somente três sets, e sempre em trinta minutos. Aquele número sempre a perseguiu.

Então, por anos, Naemi quis derrotá-la. Dedicou tempo de sua vida a isso. E quando se descobriu na posição de bloqueio, passava treinos e treinos replicando a sensação que seria de bloquear um de seus ataques e—

Tudo isso para no final, receber a maravilhosa, mas terrível notícia de que iriam jogar no mesmo time.

Jogar na seleção brasileira era um privilégio, óbvio. Mas somente a sensação de jogar junto de uma jogadora a qual havia treinado tanto para derrotar a desanimava em parte. Que graça teria?

— Acho que isso é paixonite e você não ‘tá sabendo admitir.

O seu melhor amigo e ao mesmo tempo seu melhor fotógrafo, decidiu abrir o bico no meio de mais uma de suas centésimas sessões de desabafo. Naemi somente o encarou de escanteio, indignada.

— Não se iluda, Breno, — comentou, raivosa. — Não faço parte desse “time”.

— Homofóbica à essa hora? Cinco da tarde?

Ao se lembrar do horário, o estômago de Naemi roncou. Já em relação às palavras de Breno, ela somente revirou os olhos.

Naemi e sua equipe haviam acabado de chegar no Rio de Janeiro para a sua primeira aparição para a seleção. Logo após um tempo, viajariam para Holanda por conta da Liga das Nações e até lá, deveria estar completamente adaptada a rotina e pronta para jogar em quadra, talvez. Não era necessário dizer o quão nervosa Naemi estava se sentindo desde o chamado que havia recebido. Para ela, aquilo era tudo ou nada.

— Já estamos chegando? — ela retrucou para o motorista que seguia um caminho torto no GPS. — Não é perigoso ficar rondando muito aqui?

— Relaxa, ninguém te conhece.

Naemi lhe deu uma cotovelada em seu estômago.

— Espero que seu quarto esteja com o vaso quebrado.

— Mais fácil você entupir o vaso. — o homem comentou em meio a tosses, ainda atingido pelo golpe.

O ódio está no ar | Gabi GuimarãesOnde histórias criam vida. Descubra agora