Capítulo 2 - Uma prece à Shala

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Quando as gêmeas entraram no carro após deixarem o Jardim de Infância, dona Helena comunicou que não as levaria direto para casa. O pai delas aguardava as meninas no templo da cidade.

Sara deu um pulinho no banco ao ouvir a novidade. Era a chance de fazer mais uma prece à deusa Shala

— Pisa fundo, dona Helena.

— Sem pressa, menina — advertiu a babá, sem perder a serenidade.

Alana, bem comportada, soltou um muxoxo com a ideia de ir àquele lugar.

O carro dos Buarque deslizou pelas ruas de asfalto liso de Helió, uma cidade onde o concreto e o verde se entrelaçavam nas calçadas e nos quintais abertos das casas luxuosas — embora não tão luxuosas como as de Lerofonte, onde as irmãs moravam. Vários fidalgos preferiam residir ali, às vezes tendo vulgares como vizinhos a dez metros de distância, em vez de constituírem a comunidade bucólica e exclusivamente fidalga de Lerofonte. Mas era possível diferenciar as residências da casta superior, com suas fachadas pintadas de alguma cor aurânica, em contraponto aos tons de cinza, branco ou bege das moradias vulgares.

Quando o veículo parou em frente ao templo, o sol poente já começava a se esconder atrás da cordilheira do Leviatã, cujas montanhas imponentes guarneciam todo o país de Neriquia. O crepúsculo tingia de laranja as paredes alvas da ampla estrutura, com suas portas sempre abertas acolhendo qualquer visitante a qualquer hora do dia. O letreiro de metal na fachada com a palavra "Templo" era quase desnecessário. Qualquer neriquiano poderia reconhecer o local pelas janelas ogivais de vidro colorido que intercalavam suas cores ao redor do edifício. Certa vez, em uma de suas visitas, Sara havia circundado o perímetro do templo só para contar o total de janelas de cada cor. Ficou surpresa ao constatar que todos os seis tons da aura estavam presentes em quantidade igual.

Poucos minutos após saírem do carro, as duas irmãs estavam caminhando de mãos dadas por um corredor de paredes brancas enquanto seguiam um sintético de Shala.

Sintéticos eram estranhos, enigmáticos. Seu pai dizia que eles foram criados pelos deuses de Neriquia há muitos e muitos anos e que eram servos fiéis e habitantes eternos dos templos. Vestiam-se com túnicas que refletiam a cor do deus ou da deusa que serviam — o sintético de Shala vestia azul. Suas cabeças estavam sempre cobertas por um capuz justo, que se fundia a uma máscara cinzenta, a qual, aliás, assombrava Sara em alguns pesadelos; não devido à expressão sisuda ou às gemas incrustadas no lugar dos olhos, mas sim ao mistério que se escondia atrás da máscara. Ninguém sabia como era o rosto de um sintético. Sara imaginava uma face deformada, talvez derretida, às vezes desprovida de olhos, nariz ou boca, mas sempre uma figura de homem, pois a voz e o corpo dos sintéticos eram inconfundivelmente masculinos.

As irmãs chegaram a um salão com dezenas de portas de seis cores diferentes. No centro do lugar, uma recepção gerenciada por um sintético de túnica verde, servidor da deusa Nera, atendia uma fila de três neriquianos. Ignorando a espera, Sara e Alana continuaram acompanhando o sintético de Shala, que as guiou até uma porta azul. Com movimentos meticulosos, ele retirou uma chave de suas vestes e abriu a porta.

— Entrem e fiquem à vontade. Camilo Buarque logo se juntará a vocês nesta câmara de Shala. — A voz dele ressoou grave antes de fechar a porta, deixando as duas meninas sozinhas no recinto.

O interior era parcialmente iluminado pelo vitral azulado na parede ao fundo, filtrando a luz do crepúsculo e tingindo o ambiente de um azul profundo. Contudo, com a proximidade da noite, eram as velas fixadas nas paredes, com suas chamas magicamente azuis, que derramavam uma claridade serena e mística sobre o ambiente.

Sara largou a mão de Alana e encaminhou-se para um dos bancos compridos de madeira, posicionado em frente à estátua de Shala. Esculpida em mármore e assumindo uma coloração azul-prateada naquela câmara, a estátua de três metros de altura representava uma mulher adulta de cabelos longos e encaracolados que desciam sobre os ombros. Vestia uma túnica semelhante à dos sintéticos, porém na cor branca e com detalhes finamente esculpidos que sugeriam um tecido mais encorpado e gracioso. O rosto da deusa, com uma expressão doce e acolhedora, parecia inclinar-se para frente, como se estivesse pronta para ouvir os desejos e preocupações de suas filhas devotas. Tanto quanto uma figura divina, Sara considerava-a uma figura materna.

Universo Aurano: Sara [e] AlanaOnde histórias criam vida. Descubra agora