Capítulo 4 - Você (não) é uma fidalga

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A sineta na porta anunciou a chegada de uma menina de cabelos negros e olhos azuis à loja de música.

Violões, baterias, guitarras, teclados e outros instrumentos de vários tipos e tamanhos passaram pelos olhos de Sara conforme ela caminhava naquele ambiente com aroma de madeira e um leve cheiro de couro, parando somente ao chegar na seção de violinos, repousados em suportes na parede.

Procurou pelos violinos de 51 e 56 centímetros. Não se preocupou com os preços, sua atenção estava no tipo de madeira e no brilho do verniz. Qual deles seria aquele que o seu pai havia encomendado para o seu aniversário de nove anos? Um presente tão especial deveria ter sido escolhido por ela mesma, afinal, era a própria Sara quem saberia o violino ideal para o seu tamanho.

— Quer ajuda, menina?

Sara virou-se e encontrou um rapaz de olhos vermelhos, ocupado em passar uma esponja na capa de alguns discos empilhados no balcão.

— Vim pegar um violino que meu pai encomendou — respondeu ela, aproximando-se do funcionário. — É meu presente de aniversário.

— Ah, é? — O atendente largou a esponja e apanhou um pano macio, dando prosseguimento à limpeza. Olhou para a menina como se avaliasse se ela estava brincando ou realmente dizendo a verdade. Ele finalmente soltou o pano e pegou uma agenda ao lado, abrindo-a com um estalo leve. — Qual o nome do seu pai?

— Camilo. Camilo Buarque.

O atendente tamborilava suas unhas de cor vermelha sobre o tampo enquanto os olhos da mesma cor pareciam buscar o nome do comprador. Ele intercalou o olhar duas vezes entre a garota e a folha de papel antes de dizer:

— Tem uma entrega marcada para Camilo Buarque, sim. Só que... — E cravando o olhar na criança, completou: — você não é filha dele.

Sara suspirou e fechou os olhos. Suprimiu a vontade de bater o pé no chão e de vomitar palavras raivosas. Havia prometido ao pai que manteria a calma em situações como aquela.

— Esse tal Camilo Buarque, pelo que está anotado aqui, é um fidalgo — continuou o atendente, batendo o dedo na agenda — Mas você, claramente, não é. Tem tanta aura no cabelo quanto eu. — Ele sacudiu os cabelos castanhos, sem um traço de cor.

— Eu sou uma fidalga! — Sara contestou.

Não perdeu tempo com explicações. Foi logo tirando do bolso sua carteirinha do Jardim de Infância. Nas mãos do atendente, a carteirinha foi virada e revirada, checada como se ali houvesse uma charada.

— Viu? O nome do meu pai tá escrito aí.

O atendente esboçou um sorriso debochado.

— Sara, isso que você está fazendo é muito feio. Não sei quem te ajudou a falsificar essa carteirinha, mas é errado. Isso é crime, sabia? Pessoas vão pra cadeia por causa disso.

— A carteirinha não é falsa! — protestou a menina, elevando o tom de voz.

— É sim, e você sabe — acusou o rapaz, com o dedo em riste. — Você ia usá-la para roubar o violino de outra criança.

— Não ia não!

— Olha, eu poderia perguntar quem te pediu pra fazer isso. Porque isso é caso de polícia. Mas o patrão deixou a loja por minha conta hoje e não tô a fim de problema. Então vou fazer vista grossa, tá legal. Conhece essa expressão? Quer dizer que não vou te dedurar.

— E eu vou descer a lenha nessa porcaria de loja se você não der meu violino. Conhece essa expressão? Quer dizer que vou falar mal dela pra todo mundo, seu vulgar burro!

Universo Aurano: Sara [e] AlanaOnde histórias criam vida. Descubra agora