08 - O Desaparecimento de Bella

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Joanne chegou em casa à noite, exausta, com os ombros pesados e a mente inundada por uma névoa de pensamentos confusos. O dia havia sido longo e desafiador, e tudo o que ela queria era um pouco de paz. No entanto, o silêncio do apartamento, que geralmente a acolhia como um abraço reconfortante, hoje parecia estranhamente ameaçador. A escuridão da noite que entrava pelas janelas semi-abertas se espalhava pelos cômodos, como se o apartamento inteiro estivesse respirando um ar de inquietação. Bella, sua fiel companheira de quatro patas, normalmente uma presença tranquilizadora, hoje parecia diferente, quase elétrica. Algo não estava certo.

Quando Joanne entrou, notou que Bella, ao invés de estar enrolada na cama ou no sofá, como de costume, estava de vigília na varanda, seus olhos felinos arregalados, refletindo as luzes distantes da rua com uma intensidade quase sobrenatural. O rosnado baixo que ecoou de sua garganta cortou o silêncio da noite como uma lâmina afiada, uma reação claramente nervosa e de alerta, como se pressentisse uma ameaça invisível que apenas ela podia detectar.

A atmosfera no apartamento estava carregada de uma tensão inexplicável, uma sensação que Joanne não conseguia identificar. A cada passo, o chão de madeira rangia de maneira quase ameaçadora, como se a própria casa estivesse se manifestando contra alguma presença indesejada. Bella se movia nervosamente de um lado para o outro, seus instintos felinos em alerta máximo. Seus olhos não desgrudavam de um ponto fixo além da varanda, e Joanne começou a sentir um frio percorrer sua espinha.

— O que foi, querida? — a voz de Joanne saiu trêmula quando se aproximou da varanda, tentando enxergar o que perturbava tanto a gata, mas seus olhos humanos não captavam nada além de sombras difusas e o movimento das árvores ao vento. A gata continuava a rosnar, os pelos de sua nuca eriçados, encarando algo que Joanne não conseguia perceber, um ponto no vazio que parecia conter algum tipo de malícia.

— Você está me assustando, Bella. — Joanne murmurou. O nervosismo começou a invadir sua mente e ela decidiu se afastar, indo em direção à cozinha para tentar clarear os pensamentos e acalmar o coração. Enquanto retirava o saco de lixo da lixeira, ainda sentia o olhar intenso de Bella cravado na varanda. Um som baixo, semelhante a um suspiro ou um gemido, pareceu vir de algum lugar lá fora, e um arrepio percorreu sua pele.

Foi nesse momento que, com um movimento rápido e inesperado, Bella escapou pela porta entreaberta. Joanne nem teve tempo de reagir. Em um reflexo instintivo, largou o saco de lixo que caiu no chão com um baque surdo, espalhando restos e resíduos pelo chão da cozinha, e correu atrás da gata. Seu coração disparou, os passos ecoando nas escadas de metal enquanto descia apressadamente, o som metálico reverberando pela estrutura do prédio. Seu peito ardia de medo, e seu cérebro mal conseguia processar os eventos rápidos que se desenrolavam.

Ao alcançar o térreo, ela viu um jovem na portaria, aparentemente distraído ou absorto em seus próprios pensamentos. Sem pensar, gritou:

— Não abre a porta, pelo amor de Deus! — Mas suas palavras pareciam não ter a urgência necessária, ou talvez o rapaz não compreendesse o que ela estava tentando evitar. Já era tarde demais. Ele já havia girado a maçaneta, e em um instante, a porta se abriu. Bella, veloz como um raio, escapuliu para a rua.

— Bella! — Joanne clamou com desespero, sua voz embargada pela angústia. O mundo ao seu redor pareceu perder a nitidez, os sons urbanos se misturando em uma cacofonia que ecoava em sua mente. Ela correu atrás da gata, mas parecia que o universo conspirava contra ela. De repente, um ciclista surgiu do nada, sua bicicleta cortando o ar da noite, e em um segundo fatídico, colidiu com Joanne, derrubando-a ao chão.

A dor aguda explodiu em seu tornozelo quando ela tentou se levantar, seus olhos ainda fixos no lugar onde a gata desaparecera. O frio da calçada parecia se infiltrar em seus ossos, intensificando sua sensação de vulnerabilidade.

— Mon Dieu. — o ciclista murmurou, apavorado ao ver o que aconteceu. Ele estava atônito, sem saber se ajudava ou continuava seu caminho. Joanne, por outro lado, lutava contra a dor. Ela sentia o medo se transformando em desespero puro. Cada segundo que passava, Bella se afastava mais.

— Me perdoe. — o rapaz disse sinceramente, sua voz tremendo de preocupação. Ele se apressou a pegar a bicicleta caída, mas seus olhos estavam fixos em Joanne, observando cada movimento dela com apreensão.

Com um esforço que fez suas pernas tremerem, ela conseguiu se erguer. O tornozelo latejava, mas ela ignorou a dor. Ainda trêmula, ajudou o rapaz a se levantar também, mas seus olhos estavam vazios, fixos em um ponto distante onde Bella havia desaparecido. Uma lágrima solitária escapuliu e deslizou por seu rosto, enquanto ela tentava controlar o soluço que se formava em sua garganta.

— Você está bem? — o rapaz perguntou, sua voz carregada de genuína preocupação.

— Sim. — Joanne respondeu, quase em um sussurro. Mas, por dentro, ela estava desmoronando. A dor no tornozelo era apenas um reflexo da dor que sentia no peito, um buraco crescente que ameaçava engoli-la.

Determinada, Joanne ignorou o próprio estado e seguiu, correndo o mais rápido que suas pernas lhe permitiam, apesar da dor que aumentava a cada passo. Atravessou a rua enquanto o vento frio da noite embaraçava seus cabelos, o ar gelado castigando seus pulmões já cansados. Seus olhos estavam fixos na direção para onde Bella correra, o coração batendo forte como se quisesse saltar do peito. Cada sombra, cada canto da praça à frente parecia esconder a possibilidade de encontrar sua gata, ou perder para sempre aquela que lhe fazia companhia nos momentos mais solitários.

A praça, antes um local de refúgio, agora parecia um labirinto escuro e opressivo. As árvores, cujos galhos dançavam ao vento, pareciam sussurrar coisas ininteligíveis, e os arbustos se moviam como se escondessem segredos. Joanne vasculhava cada canto, cada arbusto, sem desistir. Seus lábios murmuravam o nome de Bella repetidas vezes, como uma oração desesperada. O céu, antes tingido de um laranja suave, começava a perder sua cor, dando lugar ao manto escuro da noite que se aproximava. As luzes fracas dos postes piscavam como se ameaçassem se apagar a qualquer momento, deixando-a no completo breu.

Depois de um tempo que pareceu uma eternidade, o som suave e crescente da chuva começou a encher o ar. A água fria caía em seu rosto misturada com suas lágrimas. Cada gota parecia absorver uma parte de sua tristeza, mas também a fazia sentir-se mais distante de qualquer esperança que ainda pudesse ter. Quando finalmente conseguiu se levantar, seus joelhos estavam feridos, o céu já coberto por nuvens pesadas. Os trovões ao longe ecoavam como uma resposta à sua dor.

Decidida a não desistir, mas sem forças para continuar, Joanne voltou para casa. A escuridão parecia ainda mais opressiva ao entrar novamente no apartamento. O calor, que deveria oferecer algum consolo, parecia apenas sufocá-la mais. Ela sentou-se no sofá, sentindo a solidão afundar ainda mais em seu peito. Seus pensamentos se voltaram para Henri, para as escolhas e perdas acumuladas. Sentia-se presa em um redemoinho de emoções — um misto de raiva, tristeza e arrependimento.

Enquanto se acomodava no sofá, a mente de Joanne continuava a vagar pelos eventos recentes. Cada memória parecia mais pesada que a anterior, puxando-a para um poço de incerteza e dor. Por fim, num impulso de necessidade, ela pegou o cartão de visita que Henri havia deixado. O toque do papel em seus dedos parecia estranho e desconfortável, como se guardasse algum segredo sombrio. Ela sabia que precisava buscar ajuda. Aquele momento seria um ponto de virada, um ato de coragem em meio ao caos.

Com uma determinação renovada, mesmo que mínima, Joanne decidiu que ligaria para o número no dia seguinte. Precisava de um novo caminho, algo que pudesse guiá-la na escuridão crescente de sua vida. Precisava entender o que estava acontecendo ao seu redor — e dentro dela.

Enquanto se preparava para ir para a cama, Joanne se sentou perto da janela, observando a chuva cessar e dando lugar a uma noite silenciosa. O som da água que caía lentamente se tornou um alívio calmante. Ela tentou encontrar conforto na ideia de que, apesar das dificuldades, havia uma pequena faísca de esperança. Talvez, de alguma forma, ela poderia encontrar um novo começo, mesmo que isso significasse enfrentar desafios imensos.

Poção da Bruxa - O Despertar da SupremaOnde histórias criam vida. Descubra agora