III- Christmas kids

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"Você mudará de nome ou mudará de ideia
E deixará esse maldito lugar para trás
Mas eu saberei, eu saberei"

Christmas kids - Roar

O amanhecer trouxe uma luz dourada que inundou o quarto de Eliza. As cortinas balançavam suavemente com a brisa do mar, e, por um momento, ela se permitiu apenas sentir o cheiro familiar de sal e terra úmida. A casa, de um jeito quase cruel, continuava a mesma. Mesmo com os anos que se passaram, as paredes ainda guardavam as memórias de verões despreocupados, de risos e segredos trocados. Mas agora, tudo parecia tão distante, quase inalcançável.

Eliza se espreguiçou lentamente, tentando se convencer de que estar ali era apenas mais uma tarefa a ser cumprida. Reformar a casa, vender, seguir em frente. Simples. Mas, ao se levantar e olhar para o espelho, encontrou nos próprios olhos o reflexo de algo que ela não conseguia ignorar. Aquele lugar ainda guardava pedaços dela e de Ravi. E o pior — ela sabia que a pessoa que encontraria na sala, em breve, não era mais o garoto com quem dividira tantas risadas.

Descendo as escadas, ela ouviu o barulho de passos ecoando no piso de madeira, e o cheiro de café recém-passado preencheu o ar. Ravi estava na cozinha, de costas para ela, sua postura rígida. Ele mexia o café com movimentos quase mecânicos, como se sua mente estivesse em outro lugar, bem distante daquele em que estavam.

Eliza entrou silenciosamente, tentando se preparar para a frieza que ele certamente lançaria em sua direção. Mas, ao vê-lo ali, tão familiar e ao mesmo tempo tão diferente, uma tristeza profunda a atingiu. Ela queria que as coisas fossem diferentes. Mas sabia que pedir isso, implorar por uma reconciliação, seria inútil.

— Dormiu bem? — Ela perguntou, quebrando o silêncio, mesmo que soubesse que a resposta provavelmente seria indiferente.

Ravi não se virou para encará-la. Em vez disso, apenas deu de ombros enquanto levava a xícara de café até os lábios.

— Dormir é uma das poucas coisas que ainda consigo fazer sem me preocupar. — Ele respondeu, sua voz baixa, mas ainda com aquela frieza que cortava como uma navalha.

Eliza não pôde evitar o suspiro que escapou de seus lábios. Ela sentia o peso de cada palavra não dita, de cada momento que poderiam ter tido nos últimos dez anos, mas que agora se perderam para sempre.

— Nós precisamos resolver algumas coisas da casa hoje. — Ele disse, mudando de assunto bruscamente, como se quisesse manter a conversa no mínimo possível. — A imobiliária disse que pode mandar alguém aqui para fazer uma avaliação. Mas antes disso, precisamos ver o estado da casa. Tem algumas coisas que precisam ser consertadas.

Eliza assentiu, pegando uma maçã da fruteira e dando uma mordida lenta. Ela queria perguntar como ele estava, como estava lidando com a morte da mãe, mas sabia que Ravi não estava pronto para esse tipo de conversa. E talvez nunca estivesse.

— Ok. Vamos começar por onde? — Ela perguntou, tentando soar prática, como se aquilo fosse apenas uma tarefa qualquer. Mas sabia que cada passo dentro daquela casa seria como caminhar por campos minados de lembranças.

— Começamos pelo sótão. — Ravi respondeu, finalmente se virando para encará-la. Seus olhos encontraram os dela por apenas um segundo antes de ele desviar novamente. — Tem muita coisa velha lá que precisamos ver se vale a pena manter ou jogar fora.

Eliza assentiu e os dois subiram as escadas em silêncio. O sótão, como ela lembrava, estava cheio de caixas, móveis antigos e objetos que eles usavam durante os verões. Ao abrir a porta, o cheiro de madeira envelhecida e poeira a envolveu. Ravi passou por ela e começou a abrir uma das caixas, sem dizer uma palavra.

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