verdadeiro

60 10 8
                                    

   Já era tarde quando acordei, o sol da tarde entrava pelas pequenas frestas da cortina, a atmosfera do quarto era pesada e fria, apesar disso, lembrei-me da madrugada, pensava antes de levantar, teria sido apenas um sonho?

— Talvez não... — disse a mim mesmo.

Acabar me levantando mais tarde do que o de costume não era incomum, porém não era corriqueiro.

— Ah... Eu preciso de um café — Levantei da cama e saí do quarto.

Meu vício por cafeína me acordava todas as vezes, minha cabeça começava a doer só de pensar que eu ainda não havia bebido uma xícara de café. Um vício que me afogava em abstinência a qualquer momento, desde que comecei com essa vida de investigação.
Me perguntava se encontraria minha musa quando anoitecer, mas... Não foi bem o que aconteceu.

[...]

Se passaram dias, semanas, e quase um mês depois, Bill havia desaparecido. Aquilo já era rotineiro, sabia que nem sempre veria minha musa, mas, apesar dos pesares, eu me sentia inútil.
Trabalhar no portal era minha única fonte de distração, passava todos os meus dias testando novos métodos para que ele funcionasse, além da nossa estrutura estar quase completa, sempre parecia faltar algo. Mesmo com FiddleFord, tudo parecia vazio, o portal, nosso projeto, minha vida, minhas escolhas, o meu tempo.

Tenho frequentemente me perguntado se estou ficando louco, ou se eu só talvez precise de um pouco mais de ar fresco todos os dias. Então eu comecei a sair mais, tentando me conectar com outras pessoas além de FiddleFord, mas posso te dizer, todas as minhas primeiras impressões foram um lixo.
Como eu conseguia ser tão idiota e não saber ao menos puxar um assunto? Mesmo quando a conversa era um "Oi, tudo bem?" Eu conseguia estragar tudo, falava algo idiota e as pessoas simplesmente só iam embora sem mais nem menos, talvez eu realmente seja um desastre...

" Pessoas normais não andam com anomalias " era um pensamento que ecoava pela minha cabeça desde a infância. Nunca tinha me sentido o suficiente para uma vida social, amigos, família, parentes, por que todas as relações eram difíceis? Eu podia ser inteligente, podia saber todos os segredos do mundo, resolver os mistérios mais profundos da nossa humanidade, mas eu nunca seria capaz de ser bom com as pessoas.

Era por isso que eu gostava de ficar com minha musa, com ele era diferente, as coisas soavam bem, andavam bem, viviam bem, mas ainda era difícil de se lidar, tínhamos nossas diferenças, éramos seres diferentes em inúmeros quesitos, mas ele pareceria me ler como um livrinho ilustrado, cuidava de mim tão bem que as vezes eu me sentia tão... Tão importante? Tão bom? Eu não sei, apenas era um sentimento incrível.
Finalmente tinha encontrado algo, ou alguém, que era bom pra mim, que me fazia bem, com quem eu podia ser verdadeiro, onde minha piadas idiotas faziam sentido, onde meu senso de si era compreendido, meus pensamentos, gostos, interesses, éramos incríveis juntos.

Mas agora, quando ele sumia, eu me sentia como um nada. Apenas uma carcaça morta, inativa, apenas cumprindo seus deveres. Tudo parecia difícil, tentava constantemente entender o vazio que ele deixava, e até certo ponto eu entendia, além de Mcgucket, Bill era meu único outro amigo.
Nesse meio tempo eu apenas fiz coisas básicas, além de explorar este pequeno pedaço de terra, eu ainda corria atrás de mistérios, dia após dia, era a única coisa realmente interessante, expandir meu intelecto como eu sempre sonhei, coisas que a faculdade não iria me trazer, o prazer do desconhecido. A sensação de ter todo o conhecimento na palma da sua mão, isso não é incrível? Bem, até certo ponto é.

[...]

Se passou mais alguns dias e eu continuava sozinho, meu parceiro de laboratório estava ocupado de mais para nossas pesquisas, e eu não posso julga-lo, ele tem uma vida, ele é sociável, engraçado, carismático, e além de tudo, esta cidade era a cara de Mcgucket, ele sempre conseguia se dar bem com as pessoas, sempre me contava as sua conversas com terceiros, falava sobre as melhores lojas, os melhores bares, restaurantes, havia tanto para uma cidade pequena, e era por isso que ele sempre amava explorar.

  " Ele é um fofo, sempre me traz presentes quando volta da cidade "
Pensei, dando um sorriso e me sentando na poltrona. Ligando a Tv e colocando em algum canal interessante.

Minha casa era uma bagunça total. Havia tantas baboseiras espalhadas por todos os cantos, sem contar que minhas coisas mal funcionavam, eu nunca tinha tempo o suficiente pra cuidar de mim, mas em compensação, eu tinha tempo o suficiente para estudar e terminar o portal.

Bebia uma xícara de café enquanto pensava um pouco mais, sentia falta de Bill invadindo meus pensamentos, ele sempre fazia isso quando podia, sempre me distraia dessa rotina, mas por onde ele andava? Eu queria tanto saber.

— Seria uma boa hora pra você aparecer — Falei e olhei em volta, com a esperança de encontrá-lo.

Qual era a vantagem de estar sozinho? Qual? Não tinha, eu costumava a pensar assim, que a solidão me traria benefícios como eu almejava, mas eu estava errado, ou perto disso, errado seria uma palavra muito forte.
Mas eu sabia que não estava totalmente sozinho, sentia que alguém estava comigo, eu tinha certeza. Como eu tinha tanta certeza? Desde meu "presente" de aniversário feito por minha musa, vivia achando ratos mortos por todos os cantos, principalmente nos dias que eu estava sozinho, havia ratos por TODOS os lados. Sim... Era fofo, mas eu não sabia o que fazer com tantos ratos.

" Seria muita falta de consideração jogá-los no lixo "

Então eu os dissecava e guardava em alguns lugares no porão, lugares escondidos o suficiente para não me incomodarem, mas também para não me desfazer de vez.
Presentes eram presentes, não importa como eram e o que eram, e eu nunca tinha recebido tantos assim... Por mais mórbido que seja, eu achava uma atitude muito fofa.

O dia já estava acabando, então eu terminei meu café e desliguei a tv, fiquei sentado por mais um tempo, pensando que não conseguiria dormir, logo a melhor opção seria ir ao meu quarto e terminar o resto dos meus afazeres.

— Espero te ver amanhã... Musa...

Na sua mente - BillfordOnde histórias criam vida. Descubra agora