A Maldição do Nunca Mais - Zhuilingyi

Capítulo 1

Lembro claramente dos dias na aldeia. Eu era pequeno, mas as memórias são vívidas. Papai costumava me acordar antes do nascer do sol, o ar ainda gelado nas manhãs de inverno, e saíamos juntos para caçar. Ele dizia que, para ser um bom caçador, era preciso mais do que boa mira; era preciso paciência, calma, e acima de tudo, respeito pela natureza. Eu ficava em silêncio, observando-o cuidadosamente enquanto ele me ensinava a usar o arco. O jeito que ele segurava a corda com firmeza e, ao mesmo tempo, suavidade, era quase como uma dança. Um dia, depois de muitas tentativas, acertei meu primeiro alvo. Ele sorriu, um sorriso raro, mas cheio de orgulho.

— Você está pronto, Jin Ling — ele disse, colocando a mão no meu ombro. — Mas lembre-se, um caçador de verdade não atira só para matar, atira para sobreviver.

Essas palavras ficaram gravadas em mim. Na época, eu não entendia completamente, mas hoje elas fazem muito mais sentido.

Alguns meses depois, tudo mudou. Papai e mamãe adoeceram. Foi rápido, rápido demais. A doença tomou conta deles, e eu, impotente, só podia assistir enquanto seus corpos ficavam mais fracos a cada dia. Quando eles se foram, senti um vazio que parecia que nunca seria preenchido. A casa ficou silenciosa, desolada. Eu me vi sozinho no mundo, até ser levado para a casa de Jin Qiao, um primo distante do meu pai.

A primeira vez que o vi, soube que algo estava errado. Jin Qiao era um homem grande, com olhos duros e mãos sempre cerradas. Ele me olhou como se eu fosse um fardo. E eu era, pelo menos para ele. O pior era o cheiro de álcool que sempre o acompanhava, tornando o ambiente da casa pesado e sufocante. Ele nunca falava muito comigo, a não ser para me dar ordens ou, pior, gritar.

Mas ali, naquela escuridão, havia uma luz: Jin Su. Ela, com seus olhos brilhantes e sorriso fácil, foi a única pessoa que fez aquele lugar suportável. Nós nos tornamos amigos rapidamente. Eu nunca tinha tido uma irmã, mas era assim que eu a via. Ela me ajudava a esquecer, nem que fosse por alguns momentos, a dor de ter perdido tudo. Passávamos horas juntos, fugindo da presença opressora de Jin Qiao.

— Ele não é sempre assim — Jin Su me disse um dia, enquanto estávamos escondidos atrás do estábulo, longe dos gritos. — Antes da mamãe morrer, ele era diferente. Mais gentil, eu acho...

Eu não sabia o que responder. Não conseguia imaginar aquele homem sendo gentil. Para mim, ele era um monstro que me mantinha preso num pesadelo.

Os dias passaram e a amizade com Jin Su se tornou meu único refúgio. Ela me ensinou a rir de novo, a lembrar do que eu tinha aprendido com meus pais e a não deixar o medo me consumir.

Ainda assim, à noite, quando eu fechava os olhos, tudo voltava. A imagem de papai me ensinando a atirar com o arco, as risadas de mamãe ao preparar o jantar, e o som da vida que eu tinha perdido. E, agora, o peso de um futuro incerto ao lado de um homem que eu temia.

— Um dia  — eu disse para mim mesmo — eu vou sair daqui. Eu vou ser livre de novo.

***

Eu voltava da floresta, o cheiro da terra úmida e das folhas me trazia uma paz momentânea. Meu corpo estava cansado, mas minha mente estava aliviada de ter passado um tempo longe de Jin Qiao. Ele estava pior a cada dia, e eu mal suportava ficar perto dele. Enquanto me aproximava da aldeia, notei uma movimentação incomum. As pessoas estavam reunidas na praça, e os murmúrios que eu ouvia à distância deixavam meu estômago embrulhado.

— É ela! A bruxa! Finalmente vamos nos livrar dela!

Meu coração disparou, e minhas pernas começaram a correr antes mesmo que eu percebesse. Empurrei as pessoas pelo caminho, tentando entender o que estava acontecendo. Quando cheguei à praça, vi Jin Su amarrada a um poste, cercada por palha seca. Seus olhos estavam arregalados de medo, e sua boca tremia enquanto ela tentava gritar algo, mas o padre e os aldeões a calavam com gritos e insultos. Eu me senti congelado no lugar, incapaz de processar o que estava acontecendo.