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O sol de verão tinha deixado a grama da campina recheada de manchas em tons terrosos. Flores cabisbaixas que imploravam por um pouco de sombra e água estavam espalhadas por todos os lados, como se lamentado o próprio destino. A temperatura havia subido ao final da manhã, de modo que optei por guardar a armadura de Sor Wallet na sela de Pequeno e substitui-la por uma cota fina de malha, que deixava meus braços à mostra. Lyabelle me seguia cinco metros atrás, montada em uma mula que Tayrenne havia nos emprestado. Antes de sairmos ela ainda presenteou Lyabelle com uma espada rústica de ferro, cuja lâmina de dois gumes era levemente inclinada para a esquerda, de punho de madeira de carvalho escuro. Um breve vislumbre era o suficiente para saber que a arma fora forjada por um ferreiro inexperiente, mas ainda assim, ela deve ter pensado, era melhor do que nada. Ela cavalgava com a mão no punho da espada, e era claro que se sentia muito mais confortável com o peso extra na bainha.

- Deve ser aqui. – falei quando nos aproximamos de uma cabana de madeira que ficava há alguns metros da trilha, próxima a encosta de um morro.

Era uma construção simples, de cômodo único e telhado de pinho inclinado, cercada por estacas de madeira fincadas na terra que serviam de apoio para uma grade de arame improvisada. Dentro do curral havia uma única ovelha deitada sobre a grama, cujo pelo estava tão alto que imaginei que nunca havia sido tosquiada.

- Será que ele está em casa? – Lyabelle perguntou.

- É o que vamos ver.

Comecei a me aproximar, com Lyabelle logo atrás. O som dos cavalos deve tê-lo alertado, porque a porta abriu-se de repente, revelando um grande homem de cabelos longos e barba espessa, cheia de farelos. "Não deve se banhar a quase uma década", pensei. Era mais alto do que eu, e também mais pesado, e estava vestido em uma armadura de malha cujos anéis inferiores pareciam um tanto enferrujados.

- O que querem aqui? – ele gritou, nada amistoso.

- Você é Rollo?

- Quem quer saber?

- Responda a porcaria da pergunta. – Lyabelle pediu, impaciente, desmontando do cavalo com um salto.

Aproveitei a oportunidade para também desmontar. O homem nos encarou de cima a baixo e pousou a mão no cabo da espada, tamborilando o punho com os dedos sujos.

- Sim, Rollo é o nome. E não gosto de estranhos tão próximos de onde moro.

- Você cria ovelhas? – perguntei.

Rollo virou o rosto na direção do animal solitário que descansava tomando seu banho de sol, completamente desinteressado em nossa presença.

- Tenho apenas esta. E vou carneá-la em breve.

- Onde você a conseguiu? – Lyabelle indagou.

O homem abriu um sorriso provocador.

- Comprei de um carroceiro que passou na estrada há alguns dias.

- Não acho que isto seja verdade. – ela disse. – Acho que você a roubou.

- Isto é uma acusação?

- Corte as brincadeiras, Rollo – interrompi. – Nós sabemos o que você fez. Estamos aqui à serviço de Tayrenne.

- À serviço de Tayrenne? – ele repetiu e gargalhou com tanta força que teve que secar algumas lágrimas do rosto vermelho. – O que foi que aquela velha disse a meu respeito?

- Disse que você tem roubado seus animais.

- E que matou uma dezena de homens – Lyabelle acrescentou. – Nós viemos cobrá-lo.

- Ah, então são mercenários – ele cuspiu no chão. – O que ela prometeu?

- Isso não é de sua conta – respondi. – Entregue a ovelha, e a devolveremos para o seu curral original. Depois lhe escoltaremos até a fortaleza de Lorde Marc, onde você será julgado pelo roubo de animais e pelo assassinato de homens inocentes.

- Provavelmente será enforcado – complementou Lyabelle, de maneira desnecessária.

- Enforcado, é? – o sorriso no rosto sujo e barbudo se alargou – Então ir com vocês não me parece uma boa ideia.

Lyabelle franziu o cenho.

- Você vai pagar pelos seus crimes. Agora cabe a você escolher entre um julgamento justo – ela tirou a espada da bainha com um movimento gracioso – ou a ponta da minha lâmina.

- Ah, minha querida. Eu já havia me decidido no momento em que desmontaram.

Rollo também retirou a arma da bainha, fazendo o aço deslizar com um som agudo que cortou o ar. A sua lâmina era uns bons centímetros maior do que a de Lyabelle, mas ela não pareceu se intimidar.

- Fique fora disso, Lynk – ela anunciou e avançou na direção de Rollo.

Lyabelle balançou a espada e tentou acertá-lo no braço esquerdo, mas ele conseguiu se defender posicionando sua lâmina em uma posição vertical. Aço gritou contra aço, e ambos recuaram para se reposicionarem. Desta vez quem avançou foi Rollo, gritando e golpeando de maneiras subsequentes. Ela se defendeu como pôde, recuando e usando a espada para aparar os golpes enfurecidos.

Rollo era muito mais forte e pesado do que Lyabelle. Isso, no entanto, também significava que cada golpe desferido lhe requeria um esforço físico imenso, ainda mais porque ele estava usando uma armadura de malha pesada. Cansado, Rollo hesitou por um segundo, e este foi o tempo necessário para Lyabelle investir com agilidade e aplicar um golpe lateral em seu pescoço. O sangue jorrou, e o homem caiu de joelhos com um baque pesado antes de encará-la com os olhos vazios e desabar para o lado.

Lyabelle limpou o sangue da espada esfregando-a contra a grama e guardou-a novamente na bainha. Sorri quase com tristeza. Tudo havia acabado tão rápido, e agora o homem que respirava há alguns minutos era apenas um cadáver estirado em uma poça de sangue na campina. Eu já havia matado alguns homens, é claro. Mas, ainda assim, até hoje nunca me acostumei em desferir o golpe que finda os sonhos alheios.

- O que fazemos agora? – ela me perguntou quando se afastou do corpo.

Tratava-se de um assassino vil, mas eu não o deixaria para servir de alimento aos corvos.

- Vamos leva-lo para Tayrenne. Busque a ovelhaenquanto coloco-o no cavalo.

A Fortaleza dos Sonhos EsquecidosOnde histórias criam vida. Descubra agora