Prólogo

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No dia em que as colinas de D'alandriel pegaram fogo, eu are apenas uma criança. Conhecia muito pouco do mundo, e nunca havia atravessado a floresta de pinheiros que separava a nossa península do resto do continente e do reino de Candória. Para além da vila onde eu havia crescido, com suas casas de palha de arroz e flores abundantes que despontavam dos canteiros cuidadosamente cultivados, o velho poço onde buscávamos água era o local mais distante de casa que meus pés já haviam pisado. Na verdade, hoje estou vivo apenas porque era lá onde eu estava quando o exército do Rei Brügg atacou de surpresa, dizimando minha terra natal, matando todos os que lá se encontravam, queimando as plantações e sequestrando os animais sob o pretexto de que éramos um clã formado por usuários de magia que desafiava a recente proibição arcana que vigorava em todo reino, uma lei promulgada pela Coroa por medo de que nós magos nos tornássemos poderosos demais, ignorando o fato histórico de que nunca, em séculos de história, um mago houvesse ascendido ao trono.

Naquele fim de tarde terrível eu estava guiando a carroça de bois pela estrada de terra quando avistei, atrás da imensa pedreira que despontava de um dos morros da região, o céu escuro do crepúsculo ser tomado por uma coloração assustadoramente abrasadora. Como se antecipasse a tragédia vindoura, de imediato meu coração apertou, tomado por um medo tão intenso que ainda hoje, dez anos depois, posso sentir seus fragmentos corroendo minha alma como pequenos espinhos que me sangram sempre que minha consciência experimenta um pouco de silêncio. Colunas de fumaça espalhavam-se atrás das colinas silhuetadas, e o vento que fazia as árvores murmurarem trazia consigo também o resto dos gritos agonizantes do meu povo.

Quando finalmente cheguei à vila, encontrei-a destroçada. Cadáveres repousavam onde antes haviam flores, e poucas eram as construções que resistiam em pé apesar do fogo. De imediato corri na direção da minha casa, tentando me apegar a um estreito fio de esperança que jazia em meu interior, trazendo comigo dois grandes baldes da água que eu recém havia buscado no velho poço, mas o fogo era tão intenso e queimava tão alto, que percebi que precisaria transpor o oceano para finalmente extingui-lo. Gritei por meus pais, mas tudo o que recebi de volta foi o crepitar alto das chamas que lambiam as paredes e o cheiro de carne queimada que impregnava o ar. Derrotado e imponente joguei-me na terra em um ponto onde o fogo não alcançava e chorei até o dia seguinte, com o peito ardendo em um misto de fumaça e tristeza e amaldiçoando o reinado de Brügg, de quem jurei me vingar, por minha família e pelas almas de todas as vítimas do massacre de D'alandriel.

Como você pode imaginar, os dez anos seguintes não foram muito gentis para um órfão pobre sem talentos que secretamente era herdeiro de uma antiga linhagem de usuários de magia. Morei na rua, dividindo leitos improvisados com cães e pulgas, e mendiguei em praticamente toda estalagem que encontrei no sul de Candória, sobrevivendo com restos de carnes cheias de cartilagem e vinhos quentes e avinagrados. Isto é, até ser adotado por um velho cavaleiro errante chamado Sor Wallet, que me contratou como escudeiro e me ensinou tudo o que sei a respeito de escudos, espadas e lanças. Com ele percorri boa parte do reino, andando e cavalgando de fortaleza em fortaleza, aceitando trabalhos em troca de ouro, comida e hospedagem. Deste modo, as duas únicas vidas que eu conhecia eram a de cavaleiro errante, e a de mendigo. E acredite em mim quando digo que elas se parecem em mais de um aspecto.

Quando Sor Wallet morreu em virtude de uma gripe severa, enterrei-o em uma colina próxima ao castelo de Pontassolar e herdei parte de seus equipamentos. Era um homem solitário, e como não possuía herdeiros, em seu leito de morte pegou-me pela mão, agradeceu os serviços prestados e, com muita dificuldade, sagrou-me cavaleiro. "Pegue o que conseguir carregar", disse ele, "e jogue o resto no oceano". E assim o fiz.

Na véspera de minha vigésima segunda primavera, portanto, tornei-me Sor Lynk, cavaleiro errante, sem terras ou fama, mas ordenado para defender os fracos e indefesos. Era agora um homem de aproximadamente um metro e oitenta, tão solitário quanto o homem que havia servido, que escondia minhas preocupações atrás de vestígios de humor, e com certa frequência era assolado pela culpa de ter sobrevivido ao Massacre de D'alandriel.

Ao menos, eu costumava pensar, meu segredo e meudesejo de vingança continuavam a salvos.

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