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Bom, a tal lagoa ficava há um quarto de noite de caminhada em direção nordeste, na borda de uma campina próxima onde algumas luzes tremeluziam no horizonte. E apesar de estar machucada, Lyabelle recusou-se a montar em Pequeno e percorrer o caminho à cavalo, de modo que demoramos um pouco mais do que o esperado para chegar até lá. Era um lugar bonito, onde um juncal denso crescia na margem da água e alguns olmos destacavam-se acima da grama suave. Alguns vaga-lumes divertiam-se voando a alguns metros do chão, e o som dos grilos soava alto, contrastando com o silêncio que predominava no resto do campo. Enquanto ela se banhava para remover a sujeira do corpo, aproveitei o tempo sozinho para acender uma fogueira com os galhos que havia recolhido próximo às árvores e preparar uma loção de sálvia-laranjeira para os seus ferimentos. Ouvi seus passos na grama quando ela se aproximou, ainda molhada, trajando apenas calça e uma camisa confortável de algodão surrado. A armadura de couro e a bainha vazia estavam em seu braço direito, e ela jogou-os na grama ao meu lado antes de se sentar em posição de lótus e aquecer-se perto do fogo.

- Muita dor? – perguntei.

Seus cabelos pareciam mais longos agora, soltos até a altura do peito.

- Um pouco.

Entreguei a ela a caneca de alumínio.

- Para você esfregar em seus ferimentos. É uma receita que foi ensinada a Sor Wallet pela mãe dele, há quase cinquenta anos, e que ele me passou quando precisei depois de cair de uma pedreira desativada.

- Por que você estava escalando uma pedreira? – ela perguntou enquanto aceitava a caneca e olhava um pouco desconfiada para o seu conteúdo.

- Queria ver o mundo de um lugar alto.

Ela assentiu silenciosamente. Passou um pouco da loção em um ferimento próximo à boca e seu rosto torceu-se em uma leve expressão de dor.

- Vai arder um pouco – avisei. – Mas amanhã estará melhor.

- Está bem.

Quando ela terminou, dividi com ela o pouco de carne seca que trazia em uma bolsa presa à sela e nos deitamos ao redor da fogueira, cansados até os ossos. Deitei de costas, com as mãos atrás da cabeça, e fiquei encarando o céu por algum tempo. As estrelas estavam por toda parte, milhares e milhares de pontinhos cintilantes na escuridão. Estava completamente alheio quando ouvi a voz dela soar do outro lado do fogo:

- Se você tentar alguma coisa, não vou hesitar em te matar.

Um sorriso leve surgiu em meus lábios. Era bom saber que ela já estava começando a recuperar as forças.

- Vá descansar, Lyabelle.

- Estou falando sério.

- Eu sei. E eu estou dizendo que não tentarei nada.

- Bom.

O vento noturno soprou sobre o campo como se para pontuar a nossa conversa.

- Mas, já que estamos acordados, gostaria de saber no que estou me metendo.

Ela hesitou. Não parecia estar muito a fim de conversa, mas sabia que me devia algumas explicações. Respirou fundo e pareceu medir bem as palavras que diria:

- Uma amiga está desaparecida. Saiu no fim da primavera em busca de um objeto que acreditava estar guardado no Castelo de Alvacácia, mas nunca retornou.

- Esta não é a fortaleza abandonada que fica próxima da Floresta dos Sussurros?

- É – ela confirmou. – Um lugar não muito agradável, e por isso implorei para ajuda-la, mas ela achou que nós duas chamaríamos muita atenção.

A Fortaleza dos Sonhos EsquecidosOnde histórias criam vida. Descubra agora