O Caminho dos Espíritos

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A trilha que levava de volta à aldeia parecia mais estreita sob o peso da vegetação, o verde fechado à sua volta abafando os sons distantes da tempestade. A cada passo, o cheiro úmido da floresta invadia os sentidos, e o ruído de folhas sendo esmagadas pelos pés dos dois jovens era o único som que quebrava o silêncio pesado entre eles.

Ibiraci caminhava à frente, os olhos quase sempre voltados para o chão, atento a algo que apenas ele parecia perceber. Aruanã, mais atrás, tentava acompanhar o amigo, mas sua atenção se dividia entre o caminho e o denso emaranhado de árvores ao redor. Ele esfregava as mãos nas coxas, como se tentasse limpar um suor invisível, os dedos inquietos.

"Você está ouvindo?" A voz de Ibiraci, embora suave, soou como um trovão no silêncio que os cercava.

Aruanã parou, franzindo o cenho. Ele se virou um pouco, escutando, mas o que chegou até ele foram apenas os ruídos normais da floresta — o balançar das árvores, o canto dos pássaros. Ele sacudiu a cabeça, mas não falou, esperando que o amigo explicasse o que quer que estivesse sentindo.

Ibiraci continuou a caminhar, o passo um pouco mais lento agora. Seus olhos, que sempre carregavam uma seriedade distante, estavam mais atentos do que de costume, quase como se ele estivesse à espreita. A umidade no ar aumentava conforme os trovões, ainda distantes, ressoavam mais forte.

Aruanã, sem saber ao certo o que fazer, ajustou o arco que trazia preso nas costas. Seus pés pesavam mais do que o normal, mas ele tentava manter o ritmo, seus olhos ora no amigo, ora nas árvores ao redor.

"Os espíritos..." Ibiraci murmurou, baixo o suficiente para parecer que falava consigo mesmo.

Aruanã sentiu um arrepio, mas não respondeu. Era algo que ele nunca entendera completamente, essa relação de Ibiraci com os espíritos da floresta. Ele respeitava, claro, mas havia uma parte dele que sempre se sentia deslocada nessas conversas, como se estivesse pisando em um território que não lhe pertencia.

Ele olhou para o céu, que agora estava se tingindo de um cinza escuro. O cheiro da terra molhada se intensificava, e gotas esparsas começaram a cair sobre seus rostos e braços. Ele passou a mão pelos cabelos, afastando os fios grudados na testa.

biraci parou novamente, e desta vez seus olhos se voltaram para um ponto à frente, algo na floresta que apenas ele parecia ver. Aruanã se aproximou, hesitante, observando o amigo.

"Alguma coisa não está certa." Ibiraci finalmente falou, sem desviar o olhar.

Aruanã apertou os lábios e seguiu o olhar de Ibiraci, mas para ele, era apenas a mata densa. Os galhos se moviam lentamente com o vento que começava a aumentar, e o som das folhas secas se arrastando pelo chão fazia seu corpo se enrijecer. Ele coçou a nuca e deu um passo à frente, como se quisesse desafiar o que quer que fosse que estava incomodando o amigo.

"É só a tempestade chegando," disse ele, finalmente, tentando soar leve. Mas o próprio tom de sua voz não o convenceu.

O silêncio de Ibiraci foi sua única resposta. O garoto apertou a alça de couro do colar que sempre usava, um gesto que Aruanã reconhecia como um sinal de que o amigo estava pensando, calculando. Ele sempre fazia aquilo quando algo o perturbava.

Eles continuaram a caminhar, agora em um ritmo mais lento, enquanto as primeiras gotas de chuva engrossavam. As árvores, antes um abrigo confortável, começavam a parecer opressivas, como se o peso da floresta estivesse descendo sobre eles. O vento trouxe consigo um cheiro forte de madeira molhada e algo mais... algo indefinido.

Quando a aldeia apareceu à frente, as pequenas casas de palha quase se misturando ao verde da floresta, o som de vozes e risadas finalmente alcançou seus ouvidos. Algumas crianças corriam pela trilha, os pés descalços se movendo rápido sobre o chão de terra batida. Aruanã sentiu um alívio ao vê-las — uma normalidade que contrastava com o silêncio carregado que deixavam para trás.

Uma delas, Kaê, parou abruptamente diante de Aruanã, segurando um arco de madeira nas mãos pequenas, o rosto iluminado com um sorriso travesso.

"Olha o que eu fiz!" Ela ergueu o arco com orgulho, como se esperasse um reconhecimento imediato.

Aruanã abaixou-se para ficar à altura dela, pegando a arma improvisada com delicadeza. Ele passou o dedo pela madeira, fingindo uma análise séria. "Muito bem feito. Em breve, vai me superar na caça."

Kaê riu e voltou a correr, deixando os dois sozinhos novamente. Aruanã devolveu o arco com um leve sorriso, mas o peso que sentia em seus ombros não diminuiu.

Ibiraci, que havia permanecido em silêncio, finalmente soltou um suspiro longo. Seus olhos, que antes seguiam os movimentos das crianças, agora estavam fixos em algum ponto distante, nas montanhas que se erguiam ao longe.

"Meu avô já havia falado sobre mudanças," ele começou, sua voz baixa, quase carregada pelo vento que agora fazia as árvores ao redor se inclinarem suavemente. "Mas eu pensei que teríamos mais tempo."

Aruanã parou de mexer nas flechas que carregava e se virou para o amigo, esperando por mais.

Ibiraci continuou, o rosto voltado para o céu que agora despejava uma chuva fina. "A tempestade não é só isso que você vê. Há algo além. Algo que não podemos ignorar por muito tempo."

As palavras de Ibiraci não eram novas para Aruanã — ele já ouvira o amigo falar de avisos dos espíritos antes. Mas, desta vez, havia algo diferente no tom. Não era apenas a tempestade que incomodava Ibiraci.

Aruanã, impaciente, sentiu as pernas formigarem, o corpo querendo se mover, fazer algo. Mas ele sabia que para Ibiraci, as respostas não vinham da ação imediata. Elas surgiam no silêncio, no tempo que ele passava em comunhão com o mundo ao redor. Ainda assim, Aruanã coçou o pescoço, seu corpo inquieto, como se esperasse uma oportunidade de intervir.

"Então... o que devemos fazer?" Ele perguntou, tentando manter a voz firme, mas sentindo a tensão crescer com cada segundo de espera.

Ibiraci abaixou o olhar para o chão por um momento antes de erguer os olhos de novo, agora mais claros e decididos. "Esperar. Mas devemos estar prontos para quando a mudança chegar."

Aruanã assentiu, embora a palavra esperar o incomodasse. Ele apertou os punhos involuntariamente, sentindo a urgência crescer dentro de si. A floresta parecia estar à beira de algo, e Aruanã sabia que, quando acontecesse, eles estariam bem no meio.


1053 palavras consegui aumentar agr to feliz q to conseguido escrever mas to triste q ninguém vê mas tudo bem, esse foi o final do 2 capitulo espero que tenham gostado, ate o proximo.

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