Capítulo 1: Infância e abandono

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A chuva caía pesada, emoldurando o cenário cinzento de uma rua deserta enquanto a pequena Isabella, de apenas cinco anos, se encolhia embaixo de uma árvore. Suas roupas estavam encharcadas e rasgadas, e o frio parecia penetrar até seus ossos. Mas o que a fazia tremer mais intensamente não era a temperatura, e sim o vazio que agora se alastrava em seu coração. Seus grandes olhos azuis fitavam o horizonte, buscando um sinal de que tudo aquilo não passava de um pesadelo.

Ela apertava uma boneca contra o peito — seu único elo com o passado, o único objeto que parecia ainda trazer um fiapo de conforto em meio ao caos. A boneca, de tecido puído e cabelos desgrenhados, era sua companheira mais fiel. Foi uma das coisas que lhe acompanhou quando foi deixada para trás.

As lembranças do dia anterior eram nebulosas, mas dolorosas. Lembrava-se de sua mãe sussurrando que voltaria para buscá-la, de seu olhar triste e apressado antes de desaparecer na multidão, deixando Isabella sentada no banco de um parque. A pequena não entendia por que tinha sido deixada ali. Será que havia feito algo de errado? Será que não era boa o suficiente?

As horas passaram, e Isabella permaneceu ali, esperando. Esperando que sua mãe voltasse, que a segurasse nos braços, lhe dissesse que tudo ficaria bem. Mas ela nunca voltou.

Agora, encolhida em meio à chuva, a realidade pesava em seus ombros frágeis. O vento cortante soprava seus cabelos molhados para o rosto enquanto ela olhava para sua boneca, suja e desgastada, mas ainda assim, sua única companhia naquele momento de abandono.

Foi nesse estado que Charlotte Fairfax a encontrou. Alta, com uma expressão dura e olhos afiados, Charlotte observou a menina com certo desdém antes de se abaixar para falar com ela. Vestida com um casaco de lã perfeitamente alinhado, com cabelos grisalhos presos em um coque apertado, Charlotte exalava autoridade e frieza.

— O que uma criança faz sozinha na chuva? — perguntou, a voz fria, sem nenhum traço de carinho ou preocupação.

Isabella não soube o que responder. Apenas abraçou a boneca com mais força, como se temesse que também lhe tirassem aquilo.

Charlotte olhou a pequena menina com um misto de curiosidade e cálculo. Não era a primeira vez que se deparava com crianças abandonadas, e ela sabia como usar essas situações a seu favor. Com um suspiro teatral, ela estendeu a mão.

— Venha, menina. Não posso deixá-la morrer aqui. — A voz de Charlotte soava quase como um comando.

Isabella, confusa e assustada, hesitou por um momento antes de aceitar a mão da estranha. A boneca ainda estava firmemente presa em seu braço, pegou sua pequena mochila e a acompanhou.

Charlotte a levou para sua casa, um lugar grande e vazio, que, à primeira vista, poderia ser confundido com um lar acolhedor. No entanto, a frieza de Charlotte permeava cada parede e objeto. Não havia calor, não havia afeto. Isabella sentiu-se deslocada desde o momento em que atravessou a porta, mas, sem alternativas, ela se agarrou à ideia de que aquele lugar, por pior que fosse, poderia ser melhor do que as ruas frias e molhadas.

— Você terá um teto sobre sua cabeça, comida na mesa e roupas no corpo. — Charlotte afirmou com indiferença. — Mas isso não será de graça. Há sempre um preço a ser pago.

Isabella não compreendia completamente o que aquelas palavras significavam, mas algo na forma como Charlotte as disse deixou uma sensação de peso sobre seus ombros. Desde aquele dia, a menina foi lentamente moldada pelas mãos exploradoras de Charlotte. Os anos seguintes seriam marcados por trabalho incessante, desprezo e manipulação. Tudo o que Isabella recebia em troca era o mínimo para sobreviver, enquanto sua boneca, a única coisa que restava de sua infância, se tornava um símbolo silencioso do que havia sido arrancado dela.

Mas, mesmo naquele ambiente sombrio, algo em Isabella resistia. A dor do abandono e a frieza de Charlotte a fortaleciam, ainda que, por dentro, o vazio da solidão crescesse cada vez mais.

A boneca, agora descansando sobre o colchão de seu pequeno quarto, era o único vestígio de uma infância perdida. 

Sob a Sombra do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora