Capítulo 3: A Ferida da Solidão

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Isabella nunca se sentiu em casa na vasta mansão de Charlotte Fairfax. Por trás das paredes impecavelmente limpas e da mobília elegante, o silêncio reinava absoluto. A casa parecia estar sempre à beira do vazio, como se cada cômodo estivesse aprisionado em uma eterna falta de calor humano. Para uma menina que mal se lembrava de sua mãe, aquele ambiente se tornara o palco de sua constante solidão. A sensação de abandono nunca a deixava. Era uma sombra que a acompanhava em todos os momentos, mesmo nos poucos instantes de descanso.

Desde que chegara ali, Isabella se perguntava o que teria acontecido para sua mãe deixá-la naquele parque. As lembranças de seu rosto eram como fotografias borradas: um sorriso distante, um toque suave, mas sempre fugaz. Aquela promessa de que voltaria para buscá-la nunca foi cumprida, e cada vez que Isabella pensava nisso, uma onda de dor silenciosa tomava conta dela.

Havia dias em que se permitia imaginar que talvez sua mãe estivesse em algum lugar, à sua procura, ou que algo terrível a tivesse impedido de voltar. No entanto, quanto mais o tempo passava, mais essas esperanças se esfarelavam, deixando para trás um vazio insuportável. "Por que ela me deixou?", essa era a pergunta que pulsava em sua mente, em uma frequência que só ela conseguia ouvir. Seria por algo que fizera? Não era boa o suficiente para ser amada?

Era difícil lidar com esses pensamentos quando se estava cercada por alguém como Charlotte. A mulher que a acolhera — se é que se podia chamar aquilo de acolhimento — nunca lhe dera qualquer tipo de afeto. Pelo contrário, Charlotte parecia se deliciar em lembrar Isabella de seu lugar. Para ela, Isabella não passava de uma responsabilidade indesejada, uma moeda de troca para o trabalho barato que exigia em troca de teto e comida.

— Garota, ande logo com isso! — Charlotte ralhava, enquanto Isabella esfregava o chão da cozinha pela terceira vez naquela manhã.

Isabella, com as mãos vermelhas e rachadas pelo trabalho, não ousava reclamar. Aprendera cedo que, quanto mais falava, mais rígidas eram as punições. Sua relação com Charlotte não tinha espaço para diálogos ou explicações, apenas ordens e obediência. Mesmo nos dias mais tranquilos, havia uma tensão invisível no ar. Charlotte raramente a olhava nos olhos, como se Isabella fosse uma sombra incômoda, sempre à espreita.

— Sempre tão lenta... Será que um dia você aprenderá a ser eficiente? — Charlotte comentou certa vez, enquanto passava pela sala, sem sequer parar para olhar Isabella nos olhos.

Cada comentário desse tipo era como um golpe invisível, e Isabella os absorvia em silêncio. Por mais que estivesse acostumada à frieza de Charlotte, sempre havia uma pontada de dor quando suas palavras cravavam fundo. Ela se perguntava, em suas horas solitárias, se aquilo era tudo o que a vida tinha a oferecer. Seria sempre aquela menina abandonada, carregando o peso do desprezo de quem a cercava?

Às vezes, Isabella olhava pela janela de seu pequeno quarto e observava as crianças brincando na rua. Elas riam, corriam, e tinham a companhia de pais que as chamavam de volta para casa ao cair da tarde. Isabella nunca tivera isso, e as raras lembranças de sua mãe, que mal via no espelho de sua própria mente, não eram suficientes para preencher o vazio. Ela não tinha memórias de abraços calorosos ou palavras de carinho; tudo o que restava eram perguntas sem resposta.

Era especialmente doloroso quando Charlotte tocava no assunto de seu abandono, uma ferida que a mulher parecia gostar de cutucar.

— Não é de se admirar que sua mãe tenha te deixado. Quem a culparia? — ela dizia, sem qualquer sinal de remorso, quando Isabella cometia o menor erro.

A cada frase como essa, Isabella sentia o chão sumir sob seus pés. A dor do abandono, que já era um fardo pesado o suficiente, tornava-se insuportável diante das palavras cruéis de Charlotte. No entanto, em vez de chorar ou se rebelar, Isabella apenas baixava a cabeça e continuava a trabalhar.

Em seus momentos mais solitários, Isabella recuava para o único refúgio que tinha: seu pequeno quarto. Lá, ela se permitia soltar o peso do dia e ficar em silêncio. A boneca velha, agora desgastada pelo tempo e pelo uso, era a única presença constante em sua vida. Sentada em sua cama, segurava a boneca contra o peito e, por um momento, fechava os olhos, tentando sentir algum tipo de conforto.

— Você acha que ela volta? — sussurrava para a boneca, como se esta pudesse responder. — Será que um dia alguém vai me querer?

Não havia resposta, claro. Apenas o silêncio profundo que preenchia os corredores da casa, o mesmo silêncio que assombrava sua alma. O abandono de sua mãe era como uma cicatriz invisível, e, por mais que tentasse, Isabella nunca conseguia entender o porquê de ter sido deixada para trás. Como se não bastasse a ausência de explicações, havia Charlotte, uma presença constante que a lembrava, dia após dia, de sua insignificância.

Naquele ambiente hostil e solitário, Isabella começou a desenvolver um escudo invisível. Sua resiliência não vinha de um lugar de força, mas de necessidade. Aprendera a sobreviver, não por ser profundamente forte, mas porque a alternativa — se entregar ao desespero — parecia ainda mais assustadora. Ela se forçava a acreditar que, em algum lugar, havia uma razão para tudo aquilo. Talvez, um dia, descobriria por que sua mãe a deixara. E, até lá, ela sobreviveria.

Ela sabia que o mundo lá fora era maior do que aquela casa, e, mesmo que ainda não soubesse como, prometia a si mesma que, um dia, encontraria seu caminho para fora dali.

Sob a Sombra do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora