Capítulo 4: O Caminho para a Liberdade

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As manhãs sempre começavam cedo, antes mesmo do sol nascer. Isabella se levantava silenciosamente, calçando os sapatos desgastados e saía para o pequeno jardim da frente. Ali, nas breves horas de solidão, antes que Charlotte a chamasse, ela encontrava uma pequena paz. Sentava-se perto das plantas secas e imaginava-se em outro lugar, longe daquela casa que a aprisionava.

Seus sonhos, no entanto, começaram a se tornar mais concretos quando ela teve a oportunidade de frequentar uma escola pública próxima, embora de forma esporádica. Charlotte permitia que ela fosse, mas apenas quando não havia trabalho urgente a ser feito na casa. Aqueles dias, para Isabella, eram um alívio. Mesmo que a escola fosse simples e com poucos recursos, cada aula era uma janela para um mundo que ela ansiava explorar.

— Um dia eu vou ser alguém — dizia para si mesma, sentada na última fila da sala de aula, absorvendo tudo o que podia.

Embora os outros alunos a tratassem com indiferença por causa de suas roupas desgastadas e sua aparência humilde, Isabella nunca se deixava abater. Ela se concentrava nos livros, nas lições e principalmente nos mapas coloridos nas paredes, que mostravam lugares distantes e exóticos. Era fascinante pensar em cidades grandes, pessoas diferentes e oportunidades que pareciam tão distantes de sua realidade.

Uma tarde, ao voltar da escola, Isabella passou por uma pequena praça que raramente tinha tempo de admirar. Naquele dia, algo a chamou. Sentada em um dos bancos, havia uma mulher idosa, com uma cesta de livros ao lado. Isabella hesitou, mas algo na cena a fez se aproximar.

— Quer um livro, querida? — perguntou a senhora, com um sorriso gentil. — Você parece gostar de aprender.

Isabella, tímida, apenas assentiu.

A mulher vasculhou a cesta e entregou-lhe um exemplar antigo e desgastado. O título era "Grandes Esperanças", de Charles Dickens. Isabella não sabia nada sobre o autor, mas o título ressoou dentro dela. Grandes esperanças... Parecia algo que ela mesma poderia ter.

— Leia com cuidado. Os livros têm o poder de mudar quem somos — disse a senhora, olhando-a com ternura.

Agradecendo silenciosamente, Isabella abraçou o livro contra o peito e voltou para a casa de Charlotte, sentindo-se, pela primeira vez em muito tempo, em posse de algo valioso. Durante as noites seguintes, quando todas as tarefas estavam cumpridas e Charlotte já estava dormindo, Isabella abria o livro à luz de uma pequena vela que ela escondia no quarto.

As páginas a transportavam para um mundo diferente, cheio de desafios, mas também de oportunidades. Isabella devorava cada palavra, sentindo-se cada vez mais conectada com os sonhos de Pip, o protagonista, que também almejava uma vida melhor. Havia algo no modo como ele lutava contra as adversidades que ecoava dentro dela. Talvez, como ele, ela também pudesse escapar da sua realidade.

Entre as linhas de Dickens, Isabella começou a cultivar uma nova esperança. Ela sabia que a estrada seria difícil, que o caminho para a liberdade e independência seria longo, mas, pela primeira vez, ela sentiu que talvez fosse possível. Talvez seus sonhos não fossem tão inalcançáveis quanto Charlotte a fazia acreditar.

Em uma manhã de domingo, enquanto lavava o pátio, Charlotte parou ao lado dela, observando-a com olhos críticos.

— Sonhando de novo, menina? — perguntou, com uma risada amarga. — A vida não é feita de sonhos. Quem sonha acaba quebrando a cara.

Isabella manteve a cabeça baixa, mas no fundo sabia que Charlotte estava errada. Os sonhos não eram o problema. Eles eram a única coisa que a mantinha de pé. Ela não respondeu, deixando que o silêncio falasse por ela.

No fundo, as palavras de Charlotte não tinham mais o mesmo impacto que antes. A cada página que lia à noite, a cada lição que aprendia na escola, Isabella se sentia mais próxima de algo maior, algo que nem Charlotte nem sua vida atual poderiam tirar dela: a esperança de uma vida diferente.

Concluiu o ensino médio graças à sua determinação e à ajuda de alguns professores que reconheceram seu potencial e lhe ofereceram materiais de estudo adicionais.

Mas conseguir uma vaga na faculdade parecia algo inalcançável. O caminho era longo, e as barreiras impostas por Charlotte eram gigantescas.

Isabella sabia que para estudar em uma universidade, precisaria de mais do que apenas força de vontade. Sem dinheiro e sem apoio, a jovem buscou todas as bolsas de estudo disponíveis e, depois de muito esforço, conseguiu uma bolsa integral.

Na manhã seguinte, Charlotte parecia notar algo diferente. Seus olhos estavam atentos enquanto Isabella terminava o café e começava a colocar os pratos na pia.

— Está quieta demais — disse Charlotte, como se estivesse sondando. — Tem algo que não está me dizendo?

Isabella hesitou por um breve segundo, mas logo respirou fundo. Era hora de encarar a verdade, por mais difícil que fosse.

— Eu vou embora hoje, Charlotte — disse Isabella, firme, mas com um tom respeitoso.

A velha senhora parou o que estava fazendo e ficou imóvel, olhando para Isabella com um misto de incredulidade e raiva. Seus olhos se estreitaram, e por um momento, parecia que ela ia explodir.

— Vai embora? — repetiu, a voz fria. — E para onde pensa que vai?

— Consegui uma bolsa de estudos na universidade. Já arrumei minhas coisas. Estou indo para a cidade hoje mesmo — respondeu Isabella, olhando diretamente nos olhos de Charlotte, sem medo.

O silêncio que se seguiu foi tão denso que parecia sufocar o ar. Charlotte ficou ali, parada, sem dizer nada por alguns instantes. Seus lábios tremeram, e por um momento, parecia que ela estava prestes a gritar, mas, surpreendentemente, sua voz saiu baixa e controlada.

— Você acha que vai sobreviver sem mim? — perguntou, com um tom de desprezo. — Acha que a vida lá fora é fácil? Não vai durar uma semana.

Isabella manteve a calma. Ela já havia previsto esse tipo de reação.

— Eu sei que vai ser difícil. Mas estou disposta a enfrentar o que for preciso para ter uma vida diferente.

Charlotte riu, uma risada amarga e cínica.

— Diferente? — Ela balançou a cabeça. — Você é como todas as outras. Pensa que o mundo lá fora vai te acolher, que vai encontrar algo melhor. Mas todas voltam. Todas acabam voltando.

— Eu não vou voltar — respondeu Isabella, sua voz firme e decidida.

Sob a Sombra do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora