Esperança em Meio ao Caos

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Dan colocou o corpo do senhor Gus cuidadosamente sobre a mesa da cozinha da cabana. O som dos seus pulmões se afogando no próprio sangue enchia o pequeno espaço, o ar impregnado com o cheiro metálico da morte iminente. A mordida do zumbi estava terrivelmente infectada, as veias escuras se alastrando pela pele pálida e envelhecida de Gus, sinais do que estava por vir. Liz, normalmente calma e controlada em situações de emergência, estava petrificada no canto da sala, seus olhos arregalados. Mesmo sendo enfermeira, ela sabia o que aquilo significava. Não havia mais nada a ser feito.

Gus se remexia de dor, seu corpo debilitado se contorcendo enquanto tossia, cada respiração um esforço. Ele olhou para Dan, que estava parado ao seu lado, o rosto contraído pela culpa e pelo desespero. Dan sentia um peso esmagador no peito. Ele se culpava profundamente por tudo o que tinha acontecido. Se tivesse sido mais rápido, se tivesse ficado mais atento... talvez o senhor Gus ainda estivesse vivo.

— Eu sinto muito... — murmurou Dan, sua voz falhando, as palavras soando ocas no ar. — Eu deveria ter cuidado melhor de você.

Os olhos do senhor Gus, agora sem brilho, encontraram os de Dan por um último momento. Gus tentou falar, mas o sangue acumulado em sua garganta só permitia que pequenos gemidos escapassem. E então, com um último suspiro, ele se foi.

A sala ficou em silêncio. Um silêncio pesado, sufocante. Dan respirou fundo, suas mãos tremendo enquanto puxava uma faca da cintura. Ele sabia o que vinha a seguir. Não havia tempo para lamentar, para hesitar. O corpo do senhor Gus, que havia sido um amigo e um salvador, logo se transformaria em outra ameaça. Outro monstro. Ele não podia deixar isso acontecer.

— Liz... — Dan disse suavemente, virando-se para ela. — Vai ser rápido.

Liz não conseguiu responder. Apenas olhou, com os olhos marejados, enquanto Dan se aproximava do corpo de Gus. Ele respirou fundo, fechando os olhos por um breve segundo para se preparar para o que teria que fazer. Quando abriu os olhos novamente, sua expressão era de pura determinação.

Com um movimento firme, ele cravou a faca profundamente na cabeça do senhor Gus, direto no cérebro, acabando com qualquer chance de ele voltar como um dos mortos-vivos. O som metálico da faca cortando o osso ecoou pela sala, seguido pelo silêncio absoluto. Dan soltou a faca com um suspiro pesado, o peso do momento caindo sobre ele como uma tonelada.

Ele se afastou lentamente, o rosto marcado pelo horror do que tinha acabado de fazer. Liz, ainda em choque, permaneceu em silêncio. Daniel, que assistia da porta, se aproximou lentamente, colocando uma mão firme no ombro de Dan.

— Não tinha outra escolha, Capitão, — disse Daniel, sua voz baixa, tentando trazer algum consolo, embora soubesse que nada poderia realmente aliviar o peso daquele ato.

Dan apenas assentiu, ainda encarando o corpo do senhor Gus, que agora estava em paz, sem saber se poderia dizer o mesmo sobre si mesmo.

O silêncio na cabana era pesado, quase insuportável. Mesmo Daniel e Liz, que haviam conhecido o senhor Gus há tão pouco tempo, sentiam uma tristeza profunda por sua perda. A cabana, que antes parecia um refúgio, agora era um lugar cheio de lembranças de morte e sacrifício. Ninguém tinha muito a dizer. O peso do que acabara de acontecer se instalou em cada um deles de maneiras diferentes, mas o sentimento era compartilhado: dor, culpa, impotência.

Dan se afastou da mesa, as mãos ainda trêmulas depois do que teve que fazer. Ele se sentou em uma cadeira velha perto da lareira, encarando o chão. Liz, ainda chocada, foi para a pequena janela, observando o mundo lá fora, como se esperando que algo mudasse, que tudo aquilo fosse apenas um pesadelo. Daniel, mais afastado, limpava o suor da testa com um pano, sem conseguir tirar os olhos do corpo inerte do senhor Gus.

O silêncio se estendia por longos minutos, quebrado apenas pelo som ocasional de uma rajada de vento do lado de fora, até que, inesperadamente, um chiado baixo começou a sair de um velho rádio que estava esquecido sobre a mesa da sala. Era um som que eles não esperavam, quase assustador em meio à quietude que tomava conta do lugar. Dan, Liz e Daniel se entreolharam, a surpresa evidente em seus rostos.

Dan se levantou de imediato, caminhando até o rádio. Ele o pegou nas mãos, ajustando o volume e mexendo no dial, tentando encontrar um sinal mais claro em meio ao chiado. Depois de alguns segundos de interferência e ruídos abafados, uma voz começou a se formar, distorcida, mas compreensível.

"...Governamentais... abrigo... todos são bem-vindos..."

Dan franziu a testa, ouvindo atentamente enquanto a transmissão ganhava clareza. Era uma voz firme, oficial, claramente de alguém tentando enviar uma mensagem para os poucos sobreviventes que restavam.

"...Aqui é a força-tarefa governamental de resgate e evacuação. Um abrigo foi montado nas coordenadas 39°45'N, 105°05'W. Todos os sobreviventes são bem-vindos. Temos suprimentos, segurança e assistência médica. Repito, o abrigo está localizado nas coordenadas 39°45'N, 105°05'W. Por favor, venham. A ajuda está a caminho."

Depois de dizer as coordenadas mais uma vez, o sinal voltou a cair em chiados.

Liz se afastou da janela, a expressão de cansaço e desespero dando lugar a uma leve centelha de esperança. Daniel se aproximou do rádio, seus olhos fixos em Dan, esperando uma reação.

— O que você acha, Capitão? — Daniel perguntou, com um tom que mostrava tanto esperança quanto cautela.

Dan ficou parado por alguns segundos, os olhos fixos no rádio como se ainda processasse o que tinha acabado de ouvir. A ideia de um abrigo parecia quase boa demais para ser verdade, depois de tudo o que eles tinham visto. Mas a voz soava legítima. O governo estava tentando organizar alguma coisa... ou pelo menos alguém fingindo ser do governo.

— Não sei, — Dan respondeu finalmente, a voz séria, sem muita convicção. — Pode ser uma armadilha. Ou pode ser nossa única chance.

Liz se aproximou dos dois, cruzando os braços, tentando manter alguma firmeza na voz.

— Não temos muitas opções. A cabana... não é mais segura. Eles podem nos encontrar de novo.

Dan sabia que ela tinha razão. O abrigo poderia ser real, e a chance de estar em um lugar mais seguro com recursos parecia melhor do que continuar em um esconderijo improvisado, cercado de incertezas.

— Vamos decidir isso juntos, — Dan disse, respirando fundo. — Se for pra tentar, precisamos sair daqui logo.

Ecos na Escuridão: A Jornada de SobreviventesOnde histórias criam vida. Descubra agora