Antigo amigo

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“Tudo vai ficar bem”
“Não importa o que aconteça”
“Me prometa que sempre estaremos presentes um para o outro”
“Me prometa...”
“Naquela vez... Eu vi tudo”
“Você também viu?”
“Você também viu... aquilo?”


“Por que você me abandonou?”




    Sonhos são engraçados. Brick nunca se importou com sonhos. Sempre que as pessoas falavam do que sonharam a noite, ele ficava entediado. Pelo menos, era engraçado caçoar o sonho deles.
    Agora, sonhos são tudo o que ele tinha. Todo o seu refúgio é por meio de sonhos. Um escape da realidade, era disso que ele precisava. Normalmente, seus sonhos eram pacíficos. Outras vezes, terminava com alguém morrendo. 
    Afinal, a mente não sabe o que acontece após a morte para sonhar sobre isso. Certo?

    Nove da manhã. Brick queria ficar na cama dormindo por uma eternidade. Bem, a luz do sol na cara o atrapalhava, e as coisas não iriam se arrumar sozinho. A mudança seria amanhã, e ainda tinha coisas para empacotar. Nesse caso, as roupas ainda estavam no armário, esperando para serem guardadas. O ruivo amarrou o seu cabelo em um rabo de cavalo, ultrapassando a cintura, e foi até a cozinha. Era justo tomar um café da manhã antes de arrumar tudo.
    A escada parecia encarar o menino com deboche, como se risse do pânico que o fez passar durante a madrugada. Bem, a escada não era tão alta assim, e não estava tão escuro pra ele tropeçar e cair. Era só a droga de uma escada, e não o boss final de um jogo. É só... Tomar cuidado pra não cair.
    Pão e brigadeiro. Essas eram as únicas comidas que ele tinha pra comer. Uma dieta apenas de pão e brigadeiro por um dia. Mas que maravilha... A melhor coisa do mundo. Era melhor isso do que ficar com fome o dia todo. O garoto passou o doce no pão enquanto estranhava a faca de carne ao lado do forno e foi pra sala de estar.
    Uma gata velha dormia no sofá, como se fosse uma almofada branca. Ah mundo injusto. Fluffy podia dormir à vontade, enquanto o garoto tinha tarefas pra fazer e ataques por conta de escadas. Pelo menos, ela não iria ficar pedindo comida toda hora ou brincaria de comer seus cabelos. Brick acariciava a gata enquanto comia o pão, admirando a TV desligada. De repente:

    “TOC TOC TOC”

    ... Quem é?
    Quem em sã consciência bateria na porta? Não é como se tivesse alguém conhecido nessa casa.

    “OLAAAAAAAAAAAAAAA! BRICK, VOCÊ TÁ AÍ???????”

    ... Ah, a pessoa de voz estridente o conhecia.
    O garoto voltou pra cozinha e pegou a empoeirada faca e voltou a encarar a porta. Quem quer que sabia seu nome, não era coisa boa ficar gritando por ele. Melhor prevenir do que remediar.

    “BRICK, VOCÊ TÁ AÍ?...”
    “Você lembra de mim, não é? Sou eu, Butch! É... Seu... Amigo de infância...? Ah, você lembra de mim sim!”

    ... Butch?

    “Bem, ahm... Minha mãe disse que você vai se mudar daqui a pouco... E vi que a casa tá vendida agora, então...  Eu vim aqui pra saber... Perguntar se você quer sair e dar uma volta na cidade sabe? Sei lá, como nos velhos tempos ou coisa do tipo.”

    Como? Mas... Agora? Por quê? Muita coisa passava na cabeça do ruivo. Por quê raios o Butch bateria na porta agora? E por que ele parecia tão nervoso? Bem, agora não era uma boa hora pra abrir a porta, ainda tinha muita coisa pra fazer para a mudança.

    “... Brick? Você tá aí?”

    Por outro lado...
    Brick suspirou e foi em direção à porta. A certeza de que se arrependeria da decisão ecoava na sua cabeça, mas agora era tarde demais.

    Ele finalmente abriu a porta.

    A primeira coisa que ele viu foi um garoto, por volta de dezesseis anos, alto de pele amarronzada o encarando surpreso com seus olhos esverdeados. Apesar de ter cabelos negros espetados, ele tinha uma franja arrumadinha, na melhor das hipóteses. Usava uma roupa de algum time de esporte e um casaco preto.
    ...Esse é o Butch?

    – ... Brick? É você mesmo?

    Parecia que o silêncio reinaria enquanto os dois se encaravam, quando Butch se aproximou rapidamente e abraçou o ruivo.

    – Não acredito! Você realmente veio! Pensei que você me deixaria plantado novamente, mas você tá aqui e...
   
    Palavras, palavras e mais palavras. E um abraço sufocante de tão forte que era. A única coisa que Brick conseguiu fazer foi dar dois tapinhas nas costas do emocionado.

    – Ah é, verdade, abraços não é sua praia. – Butch se endireitou – Foi mal aí, é que eu realmente pensei que você não abriria a porta então...  E... Talvez eu não pensei em nada pra fazer hoje porque pensei que você iria me ignorar de novo... 

    Butch resmungava algumas coisas pra ele mesmo. Quer dizer... Esse garoto realmente é o Butch? Ele ainda parece ser impulsivo e meio irritante, mas antigamente ele era mil vezes mais barulhento.
    E o mais importante...
    Por que agora parece que ele tem a droga de dois metros de altura?  Ele comeu fermento, por acaso?

    – Já sei! Que tal a gente ir pra FuzzyZone? Era o nosso lugar favorito quando crianças. ISSO! Problema resolvido! 

    O moreno comemorava quando voltou a encarar o amigo.

    – Mas antes... Acho melhor você ir se trocar... Ao menos que queira sair de pijamas.

    Ah é, tem que trocar de roupa pra sair. Pelos menos dá pra aproveitar a deixa e guardar o resto das roupas.

    Uma camisa manga longa preta embaixo de uma blusa vermelha, calças jeans e tênis vermelhos. Isso já era necessário. Não é como se ele tivesse tanta roupa mesmo, dava pra guardar tudo em uma caixa.  Ele já estava arrumando o cabelo quando o amigo bateu a porta do quarto, perguntando se podia entrar. Brick abriu a porta, como se dissesse que sim.

    – Caramba, aqui está bem vazio. Olha, você ainda tem esse boné vermelho! Nossa, lembro que você era obcecado nesse treco. E você o customizou! Que massa, ele tá muito...

    Butch parou quando finalmente prestou atenção no amigo, o encarando sem reação. Ok, tinha algo de errado? Dava para ele parar de o encarar?

    – Brick... Você tá de maria-chiquinha?

    ... Sério que ele tava o encarando só por causa disso?
    O olhar de Brick o fuzilando já respondia por si só a pergunta.

    – Não é que eu vejo problema nisso... Só... é estranho você usar maria-chiquinha

    Esquece fuzilar pelo olhar, o ruivo já tava massacrando o Butch.

    – N-Não me leva a mal, é só... AH, TANTO FAZ, antes você achava ridículo maria-chiquinha, isso pra mim é uma grande ironia, mas eu não tenho problema com isso, faz o que quiser com o cabelo, só vamos logo pro FuzzyZone, ok?

    Ok, Eminem.
    Brick pegou o boné e a Fluffy e trancou a porta da casa, dessa vez, com ele fora de casa. Fazia quanto tempo que ele não saia de casa? A única certeza, era que o sentimento de sair de casa era estranho. Butch deixou a gata sob cuidados de seus pais enquanto o ruivo admirava o mundo exterior.

    – Tenho certeza que você vai amar o dia de hoje, Brick. Iremos visitar Townsville inteira! Tudo bem que isso não é tão difícil, isso daqui deve ter apenas uns seis quarteirões. Ah, ouvi dizer que você vai pra Cityville, não é? Mano, eu ouvi que lá tem uns prédios altões! Boa sorte lá! Ah, e adivinha? Eu...

    Ok, mais uma coisa na lista de diferenças: o Butch não era tagarela nesse nível antigamente. Normalmente, era o Boomer que falava por hora sobre flores e insetos e fotos.
    Boomer... Como será que ele tá? Ele mudou tanto quanto o Butch?

    – Ah é, Brick... Então... – o moreno parecia relutante, mas continuou – Você nunca gostou de usar maria-chiquinha antes... Por que você usa agora? 

    Não era como se ele esperasse uma resposta. Aqueles foram os cinco minutos mais silenciosos durante a caminhada. Não era necessário uma resposta pra essa pergunta.
    O motivo estava claro para os dois.

Rowdy Ruff OmoriOnde histórias criam vida. Descubra agora