Sombras e luzes

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A manhã chegava com uma brisa suave, o sol iluminando as janelas de vidro colorido da pequena igreja. Lá dentro, o ambiente era sereno, com o aroma de incenso ainda pairando no ar após as orações da madrugada. Taehyung estava sozinho no altar, observando os detalhes do lugar, cada banco, cada símbolo religioso. O silêncio ao seu redor parecia amplificar os sons de seus próprios pensamentos.

Era o dia de sua primeira missa como padre daquela comunidade, e o peso da responsabilidade o envolvia como uma segunda pele. Ele sempre soube que esse momento chegaria, mas não imaginava que o enfrentaria com tantas dúvidas pulsando dentro dele.

Após um longo momento de reflexão diante do altar, Taehyung se dirigiu à sacristia. A antiga sala de paredes brancas e frias exalava simplicidade. No centro, um grande espelho oval refletia sua imagem enquanto ele começava a tirar sua batina. A cada movimento, sentia o contraste entre o homem e o padre, dois lados de si mesmo que, ultimamente, pareciam se afastar cada vez mais.

Com a batina finalmente pendurada ao lado, ele permaneceu apenas com a camiseta branca e as calças escuras. Aproximou-se do espelho, encarando sua própria imagem com um olhar que misturava curiosidade e inquietação. Aos poucos, ergueu a camiseta, revelando a primeira de suas tatuagens. A tinta negra marcava sua pele com símbolos que pareciam carregados de histórias, de significados que iam além do visível.

Taehyung passou os dedos lentamente pela tatuagem no peito, uma figura que representava equilíbrio entre o espiritual e o terreno, algo que ele sempre buscou, mas agora parecia cada vez mais inalcançável. O contraste entre o papel que ele assumia como padre e o homem que via no espelho era perturbador. Aqueles desenhos em sua pele eram lembranças de um passado que ele tentou deixar para trás, mas que agora ressurgiam, pedindo para serem reconhecidos.

Ele retirou a camiseta completamente, revelando outras tatuagens, cada uma contando uma parte de sua jornada antes de escolher o caminho da fé. Símbolos de liberdade, de dor, de descoberta. À medida que seus olhos percorriam as imagens, ele se perguntava se teria sido honesto consigo mesmo ao se entregar totalmente à vida de padre. Suas tatuagens eram como cicatrizes abertas, lembrando-o de que ele também era um ser terreno, com desejos e falhas.

— Será que é possível ser ambos? — murmurou para si mesmo, seus olhos ainda fixos no espelho.

Ele sabia que, para o mundo, a imagem de um padre deveria ser imaculada, sem rastros de uma vida "mundana". Mas ali, encarando sua própria verdade, Taehyung sentia que estava em uma encruzilhada. O encontro com Clara no rio apenas reforçava esse dilema, lembrando-o de que ele não podia negar o homem que ainda existia sob a batina.

Com um suspiro profundo, ele colocou a camiseta de volta, cobrindo as marcas de sua pele. Lentamente, vestiu novamente a batina preta, ajustando o tecido como se estivesse se preparando para entrar em cena. Mas aquela não era apenas uma apresentação—era sua primeira missa. O momento que deveria definir seu papel naquela comunidade.

Enquanto caminhava em direção ao altar, o som de seus passos ecoava pelas paredes da igreja vazia. Taehyung parou em frente ao grande crucifixo de madeira, o olhar fixo na imagem de Cristo pregado na cruz. Ele sabia que sua jornada de fé era inspirada por sacrifícios como aquele, mas, por dentro, ele se perguntava qual seria o seu verdadeiro sacrifício.

Os fiéis começavam a entrar silenciosamente, ocupando os bancos, e Taehyung os observava em silêncio. Suas expectativas eram claras—eles esperavam um padre que trouxesse conforto, orientação e firmeza. Ele sabia que precisaria esconder suas dúvidas naquele momento, oferecer-lhes a segurança que tanto buscavam.

Quando o momento chegou, ele se posicionou diante do púlpito, seus olhos varrendo os rostos que agora aguardavam ansiosamente sua palavra. A igreja estava lotada, cada banco preenchido por membros da comunidade que queriam conhecer o novo padre. Ele abriu as escrituras, suas mãos firmes, embora por dentro ele sentisse as correntes de incerteza.

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