Ventos de Mudança

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A estrada à frente parecia longa e silenciosa, mas dentro de Kai, os ecos do confronto com Tom ainda ressoavam. Dias se passaram desde a reunião no galpão, e enquanto o Fúria da Estrada seguia unido sob sua liderança, ele sabia que a ruptura deixada por Tom ainda era uma ferida aberta. O clube estava mais tranquilo, mas o que Tom havia deixado para trás era um fantasma que poderia voltar a assombrá-los.

Kai estava na garagem do clube, trabalhando sozinho em sua moto, como costumava fazer quando precisava organizar os pensamentos. O cheiro de óleo e metal o acalmava, e a repetição do trabalho manual lhe dava uma sensação de controle. Mas mesmo assim, sua mente vagava para a estrada, para os membros que ainda poderiam ser influenciados por Tom, e, inevitavelmente, para Eleanor.

Desde a última vez que ela partira, Kai não tinha mais notícias dela. Era como se ela tivesse desaparecido novamente, seguindo seu próprio caminho, livre como sempre. Mas algo dentro dele o incomodava. Ele sentia que ela havia deixado uma marca mais profunda do que ele estava disposto a admitir.

Enquanto Kai apertava o último parafuso da moto, o som distante de um motor familiar chegou aos seus ouvidos. Ele ergueu a cabeça e viu a moto de Eleanor se aproximando pela estrada poeirenta. Ela parou na entrada da garagem, desceu da moto com a mesma calma e controle de sempre, e caminhou em sua direção.

— Achei que não fosse te ver tão cedo — Kai disse, sorrindo de leve.

Eleanor tirou o capacete, balançando os cabelos ao vento. — A estrada tem seus próprios planos — respondeu, enigmática como sempre. — E parece que o destino decidiu me trazer de volta para cá.

Kai limpou as mãos sujas de graxa com um pano, observando-a atentamente. Havia algo diferente em Eleanor naquele dia, uma tensão sutil em seus olhos, como se ela estivesse lidando com seus próprios conflitos.

— Como estão as coisas? — Ela perguntou, olhando para a moto e depois para Kai. — Com o clube, quero dizer.

Kai suspirou, jogando o pano de lado. — As coisas estão... estáveis, por enquanto. Mas Tom ainda está lá fora, tentando dividir o que construímos. Ele não vai parar, mesmo que tenha poucos seguidores. — Ele fez uma pausa, olhando para Eleanor. — E você? Por onde esteve?

Ela deu de ombros, como se a resposta não tivesse tanta importância. — Por aí. Vendo o que o mundo tem para oferecer. Mas... — Ela hesitou, algo incomum para ela, antes de continuar. — Eu ouvi alguns rumores sobre Tom. Ele não está apenas recrutando. Está se armando. Pode estar planejando algo maior.

A notícia atingiu Kai como um soco no estômago. Se Tom estava se armando, isso significava que ele não estava apenas formando um novo clube. Ele estava se preparando para um confronto violento. E isso colocaria todos em perigo.

— Como você sabe disso? — Kai perguntou, sentindo a urgência crescer.

— Eu tenho meus contatos — respondeu Eleanor, com um leve sorriso. — E, para ser honesta, eu vi com meus próprios olhos. Não sei onde exatamente, mas Tom está recebendo apoio de um grupo fora da cidade. Não são só os jovens descontentes que ele está atraindo, é algo maior.

Kai ficou em silêncio por um momento, processando a informação. A situação era muito pior do que ele imaginava. Tom estava levando a rivalidade para outro nível, e Kai sabia que, se não agisse rápido, poderia perder o controle de tudo.

— Preciso avisar o clube — disse Kai, começando a se mover, já pensando nos próximos passos.

Mas Eleanor o interrompeu, colocando a mão no ombro dele. — Espera, Kai. Antes de você fazer qualquer coisa, pensa bem. O que você quer com tudo isso?

Kai parou, virando-se para encará-la. — O que eu quero? — repetiu, como se a pergunta fosse estranha.

— Sim. O que você realmente quer? — insistiu ela, seus olhos fixos nos dele. — Você está lutando para manter o clube unido, lutando contra Tom, mas... será que isso é o que você realmente quer para si? Ou você está apenas fazendo o que os outros esperam de você?

As palavras de Eleanor atingiram Kai de maneira profunda. Ele nunca havia parado para pensar nessa perspectiva. Durante tanto tempo, ele assumira o papel de líder, protegendo o Fúria da Estrada, sem questionar o que isso significava para ele pessoalmente. Eleanor estava sugerindo algo que ele evitava considerar: que talvez ele estivesse lutando por algo que já não fazia mais sentido.

— Não sei — Kai finalmente admitiu, a voz baixa. — O clube sempre foi minha vida. Não sei se sou capaz de fazer outra coisa.

Eleanor assentiu, como se já soubesse que essa seria a resposta. — Eu entendo. Mas a vida na estrada é assim. As coisas mudam, e às vezes precisamos mudar com elas. Talvez essa luta com Tom não seja apenas sobre o clube. Talvez seja uma oportunidade para você encontrar seu próprio caminho.

Kai ficou em silêncio por um momento, refletindo sobre as palavras dela. A estrada sempre fora seu refúgio, mas agora parecia que estava o levando para um destino que ele não havia previsto. A divisão no clube, a traição de Tom, tudo isso o fazia questionar onde realmente queria estar.

— E se eu quiser continuar no clube? — Kai perguntou, olhando nos olhos de Eleanor. — E se eu achar que meu lugar ainda é aqui, com eles?

Eleanor sorriu suavemente, mas havia algo triste em seus olhos. — Então você deve lutar por isso. Mas certifique-se de que está fazendo isso por você, e não pelos outros. Ninguém pode te dizer qual é o seu caminho, Kai. Nem mesmo eu.

A tensão entre eles aumentou por um instante, uma mistura de sentimentos não ditos. Eleanor sempre fora uma enigma para Kai, e ele sabia que ela jamais se prenderia a uma única estrada ou pessoa. Mas, naquele momento, ele percebeu que havia uma conexão entre eles que ia além das palavras.

— Você vai ficar? — Kai perguntou, com uma sinceridade que ele não costumava mostrar.

Eleanor desviou o olhar por um momento, como se estivesse ponderando a resposta. — Não sei. — Ela riu suavemente, como se a incerteza fosse a única coisa certa em sua vida. — Acho que vou seguir o vento, como sempre.

Kai sentiu uma pontada de decepção, mas também sabia que essa era a essência de Eleanor. Ela era livre, e tentar segurá-la seria como tentar segurar o vento.

— Bom, se decidir voltar, sabe onde me encontrar — disse ele, tentando manter a leveza.

Ela sorriu novamente, desta vez com mais calor. — Eu sei. E pode ter certeza de que não vou desaparecer para sempre. A estrada ainda tem muito para nos mostrar.

Com essas palavras, Eleanor subiu em sua moto e, sem olhar para trás, partiu pela estrada, deixando Kai sozinho novamente. Mas, desta vez, ele não se sentia tão perdido. Havia algo na conversa deles que o fez perceber que, independentemente do que acontecesse com o clube ou com Tom, ele ainda tinha escolhas a fazer. E talvez fosse hora de finalmente decidir seu próprio caminho.

Enquanto o som da moto de Eleanor desaparecia na distância, Kai olhou para a estrada à sua frente, sentindo o peso da responsabilidade, mas também uma nova possibilidade de liberdade. O futuro ainda era incerto, mas ele estava pronto para enfrentá-lo, com ou sem o Fúria da Estrada.

Entre Estradas e CoraçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora