A noite seguinte foi tranquila, mas carregada de reflexões. O depósito havia sido deixado para trás, junto com Tom, que agora estava nas mãos das autoridades. Mesmo com a certeza de que Tom não causaria mais estragos imediatos, o futuro do Fúria da Estrada ainda era um território incerto.
Kai estava na sede do clube, sentado na mesa de reuniões. A sala estava mais vazia do que o habitual, com alguns dos membros cuidando de seus próprios problemas, tentando processar o que havia acontecido. Jack, Eleanor e outros mais próximos estavam reunidos ao redor, esperando pelas próximas instruções.
— O que fazemos agora? — perguntou Jack, quebrando o silêncio. — O clube foi ferido de maneiras que vão além do físico. Precisamos de uma direção clara, Kai. Os caras estão perdidos.
Kai olhou para o grupo, sentindo o peso das expectativas. Ele sabia que a pergunta de Jack refletia o sentimento de muitos. A incerteza pairava no ar como uma nuvem pesada, e todos aguardavam que ele indicasse um caminho.
— Precisamos de tempo — Kai começou, passando a mão pelo cabelo, claramente cansado. — Tempo para nos reorganizarmos, para deixar que as coisas se assentem. Não podemos tomar decisões apressadas agora. Mas o principal é que precisamos retomar a confiança uns nos outros.
Houve um murmúrio de concordância entre os presentes, mas ainda havia um silêncio pesado no ar. A traição de Tom havia deixado cicatrizes profundas, e a desconfiança entre os membros do clube era palpável.
Eleanor observava Kai com atenção. Ela sabia o quanto ele carregava sobre os ombros, e também sabia que não seria fácil reerguer o clube. Mas ela acreditava nele, talvez mais do que ele mesmo. E ela estava disposta a fazer o que fosse preciso para ajudá-lo.
— O que acha de começarmos com algo pequeno? — ela sugeriu, sua voz calma, mas firme. — Talvez algo que traga os membros de volta para a estrada. Lembrar a todos porque estamos aqui em primeiro lugar.
Kai olhou para ela, ponderando a ideia. Eleanor sempre tinha uma maneira de ver as coisas com clareza, de sugerir soluções simples, mas eficazes.
— Uma viagem? — Jack perguntou, intrigado. — Tipo uma missão simbólica?
Eleanor assentiu. — Sim, algo que os lembre do que significa fazer parte do Fúria da Estrada. Deixamos os problemas internos para trás por um tempo, e voltamos para o que sempre nos uniu: a estrada.
Kai gostou da ideia. A estrada sempre fora o coração do clube, o lugar onde todos se sentiam livres, conectados de uma maneira que as disputas internas não podiam romper. Talvez uma viagem longa fosse exatamente o que precisavam para começar a curar as feridas.
— Para onde vamos? — Kai perguntou, olhando para os outros.
Eleanor sorriu levemente. — Para qualquer lugar que a estrada nos levar. O importante é estarmos juntos.
Jack pareceu pensar por um momento, depois assentiu, aprovando a sugestão. — Faz sentido. A estrada sempre foi nossa verdadeira casa, de qualquer forma.
— Então está decidido — Kai afirmou, sentindo uma faísca de determinação crescer novamente dentro de si. — Organizem o grupo. Partimos amanhã ao amanhecer. Vamos pegar a estrada e deixar tudo isso para trás, nem que seja por um tempo.
Na manhã seguinte, o ronco das motos encheu o ar, quebrando o silêncio da madrugada. O sol ainda mal havia nascido, mas os membros do Fúria da Estrada estavam prontos. As motos, enfileiradas, cintilavam sob a luz fraca, como se também estivessem ansiando pela liberdade da estrada.
Kai estava na frente, sua moto reluzente, com Eleanor ao seu lado. Jack liderava outra parte do grupo logo atrás. Era uma visão poderosa, uma lembrança de que, apesar de tudo o que haviam passado, eles ainda estavam juntos.
Eleanor colocou o capacete e sorriu para Kai.
— Pronto para isso? — ela perguntou, com um tom divertido. Havia uma leveza em sua voz que Kai não ouvia há dias.
— Sempre — ele respondeu, sentindo uma onda de adrenalina passar por seu corpo.
Com um rugido ensurdecedor, as motos ganharam vida, e o grupo partiu pela estrada. O vento batia forte, e o som das rodas contra o asfalto era como música para seus ouvidos. Cada quilômetro que deixavam para trás parecia um passo em direção à cura. A estrada tinha essa capacidade mágica de fazer tudo parecer menor, menos sufocante.
Aos poucos, o horizonte se alargava, e as preocupações que haviam pesado sobre eles nos últimos dias começavam a desaparecer. A estrada era a mesma, mas, de alguma forma, parecia mais acolhedora, mais familiar.
Horas depois, eles pararam em um pequeno bar de beira de estrada, um daqueles pontos esquecidos pelo tempo, onde as histórias eram contadas através de fotos antigas e placas enferrujadas penduradas nas paredes. O cheiro de churrasco e cerveja misturava-se ao som das risadas e conversas dos outros motociclistas.
Kai sentou-se em uma mesa ao lado de Eleanor e Jack. O grupo estava relaxado, conversando, como se as tensões dos últimos dias tivessem sido deixadas no passado.
— Isso era o que precisávamos — Jack disse, inclinando-se para pegar uma cerveja. — Tinha me esquecido de como é bom simplesmente rodar sem um destino.
Kai sorriu, concordando. Mas, por trás de seu sorriso, ele ainda sentia a responsabilidade o puxando de volta. A estrada oferecia alívio, mas não solução. Eventualmente, eles teriam que voltar à realidade e enfrentar o que estava por vir.
Eleanor percebeu a sombra de preocupação nos olhos de Kai. Ela conhecia aquele olhar muito bem, e sabia que, apesar do momento de paz, ele estava pensando em tudo o que ainda precisavam resolver.
— Não adianta ficar remoendo o futuro agora — ela disse suavemente. — Estamos aqui, juntos. E isso já é o suficiente por enquanto.
Kai olhou para ela, apreciando suas palavras. Eleanor sempre sabia o que dizer para acalmá-lo, para trazer o foco de volta ao presente.
— Você tem razão — ele admitiu, levantando a garrafa para um brinde. — A estrada ainda está aqui. E isso é o que importa.
Eles brindaram, e, por um momento, o peso do mundo parecia distante. O barulho das motos no estacionamento, o som das risadas e o cheiro do churrasco traziam uma sensação de normalidade que todos ansiavam. O Fúria da Estrada estava em movimento novamente, e, embora o futuro ainda fosse incerto, eles estavam juntos.
E, para Kai, naquele momento, isso era tudo o que importava.
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Entre Estradas e Corações
RomanceEm uma cidade pequena no interior, a paixão por motos é quase uma religião. Os moradores se reúnem frequentemente para competições de corrida, encontros de motoqueiros e festivais de rock. É nesse cenário que conhecemos Kai, um jovem rebelde, solitá...