Capítulo Quatro

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Havia algo na atmosfera de Bath, uma mistura de elegância e mistério, que a fazia um refúgio entre o presente e o passado. Alex sentia isso vividamente enquanto fazia sua caminhada diária. O exercício sempre o ajudará a pensar com clareza, desde pequeno ele adora fazer longas e relaxantes caminhadas pelos campos de Renfield. Deus! Como vinha sentindo falta de casa.
Pensativo, parou diante de uma vitrine, fingindo examinar os livros expostos, mas na verdade, observava seu próprio reflexo no vidro. O homem que o encarava de volta parecia um estranho: mais velho, mais cansado, com uma sombra de melancolia nos olhos que não existia anos atrás.
— Oito anos — Alexander murmurou para si mesmo, a sensação do tempo passado pesando sobre ele como uma âncora. Oito anos desde aquela noite em Renfield, desde o último momento em que vira Frederick.
Como se conjurado por seus pensamentos, um vislumbre de um uniforme naval chamou sua atenção. Por um breve, louco momento, Alexander sentiu seu coração saltar. Poderia ser...?
Mas não era. O oficial que passava era mais baixo, mais robusto, seu cabelo um tom mais claro do que o de Frederick. Alexander soltou a respiração que nem percebera estar segurando, uma mistura de alívio e decepção correndo por suas veias.
— Milorde? — Uma voz feminina o tirou de seus devaneios. Alexander se virou trombando com a Srta. Rose Middleton, ela sorriu gentilmente para ele. — Está tudo bem? O senhor parecia... distante.
Alexander forçou um sorriso, esperando que parecesse mais genuíno do que se sentia.
— Ah, Srta. Middleton. Perdoe-me, estava apenas... perdido em pensamentos, eu a machuquei?
Rose negou com a cabeça, seus olhos azuis estudando-o com uma intensidade que o fez se sentir estranhamente exposto.
— Pensamentos sobre o passado, talvez? Bath tem esse efeito nas pessoas, sabe. Algo sobre as águas termais, dizem. Faz com que as memórias venham à tona.
Alexander sentiu uma pontada de pânico. Será que era tão transparente assim?
— Eu... sim, suponho que sim. Bath é uma cidade fascinante.
Ela sorriu novamente, dessa vez um sorriso que não alcançava completamente seus olhos.
— De fato. Embora às vezes me pergunte se não somos todos atores em um grande teatro, interpretando os papéis que a sociedade espera de nós.
Antes que Alexander pudesse responder, foram interrompidos pela chegada estrondosa de Lady Middleton.
— Ah, Lord Renfield! Que feliz coincidência encontrá-lo aqui!
— A voz estridente de Lady Middleton ecoou pela rua, fazendo com que vários transeuntes virassem para olhar. — E vejo que já encontrou minha querida Rose. Não formam um belo par?
Alexander sentiu o rubor subir pelo seu pescoço, notando o desconforto similar no rosto de Rose.
— Lady Middleton, é sempre um prazer. A senhorita Middleton estava apenas me falando sobre algumas das... atrações locais.
— Oh, excelente, excelente! — Lady Middleton bateu palmas, seus olhos brilhando com uma intensidade quase maníaca. — Sabe, estamos organizando um pequeno sarau musical na próxima semana. Nada muito grandioso, apenas alguns amigos íntimos. O senhor deve vir, é claro! Rose tocará o piano, ela tem dedos de fada, sabe?
Alexander lançou um olhar de simpatia para Rose, que parecia querer que o chão se abrisse e a engolisse.
— Seria uma honra, Lady Middleton. Tenho certeza de que a senhorita Middleton é uma musicista talentosa.
— Oh, ela é, ela é! — Lady Middleton continuou, aparentemente alheia ao desconforto de ambos. — E quem sabe? Talvez o senhor possa acompanhá-la em um dueto? Ouvi dizer que tem uma bela voz, milorde.
Alexander sentiu uma onda de pânico. A última vez que cantara em público fora... bem, fora para Frederick, naquela fatídica noite em Renfield Park, quando o pai os flagrara aos beijos no jardim. A memória o atingiu com força total, quase roubando-lhe o fôlego.
Era uma noite quente de verão, o ar pesado com o perfume de rosas e promessas não ditas. A festa de aniversário de Alexander estava em pleno andamento, risos e música flutuando pelos jardins de Renfield. Mas Alexander só tinha olhos para Frederick, que o observava do outro lado do salão com uma intensidade que fazia seu coração disparar.
— Cante para nós, Alex! — seu pai gritara, já bem embriagado. — Vamos lá, mostre a todos essa sua voz de anjo!
Alexander hesitara, seus olhos encontrando os de Frederick. O leve aceno de encorajamento de Fred fora tudo o que ele precisara. Respirando fundo, Alexander se dirigira ao piano, seus dedos tremendo levemente ao tocar as primeiras notas.
A canção era uma balada de amor proibido, de almas gêmeas separadas pelo destino. Enquanto cantava, Alexander mantivera os olhos fixos em Frederick, cada palavra uma confissão silenciosa, cada nota uma promessa sussurrada.
Quando a música terminara, houve um momento de silêncio atordoado antes que a sala explodisse em aplausos. Mas Alexander mal os ouvira. Tudo o que ele vira fora o brilho nos olhos de Frederick, a emoção mal contida em seu rosto.
Mais tarde, escondidos no bosque de teixos, Frederick o puxara para um beijo apaixonado. — Sua voz — ele murmurara contra os lábios de Alexander — é como o canto das sereias. Poderia me levar à ruína, e eu iria de bom grado.
— Milorde? — A voz de Rose o trouxe de volta ao presente. — Está tudo bem?
Alexander piscou, percebendo que havia se perdido em suas memórias novamente.
— Perdão, eu... receio que não me sinta muito musical ultimamente, Lady Middleton. Mas ficarei feliz em apreciar o talento da senhorita Middleton como espectador.
Lady Middleton pareceu momentaneamente desapontada, mas logo recuperou seu entusiasmo.
— Bem, talvez em outra ocasião então! Oh, isso me lembra, Rose querida, precisamos visitar Madame Delacour para ajustar seu vestido para o sarau. Com licença, Lord Renfield, o dever nos chama!
Com uma última reverência, às Middleton se foram, deixando Alexander sozinho com seus pensamentos mais uma vez. Ele retomou sua caminhada, seus passos o levando sem rumo pelas ruas de Bath.

Entre Desejo e DeverOnde histórias criam vida. Descubra agora