Quando eu era criança, meu mundo era feito de encantos e sonhos, onde a luz brincava com as sombras e as cores dançavam no ar. Mas então, você apareceu, e tudo começou a desbotar. A luz que sussurrava pela fresta da janela se apagou abruptamente, como se a própria manhã se encolhesse em medo. O azul que a areia parecia espelhar esmaeceu e foi se arrastando em direção ao horizonte, e a maré, outrora suave, se ergueu como um monstro, devorando a praia e engolindo a cidade em um silêncio devastador. O vento, antes brisa, começou a uivar, assim como você, numa força impiedosa que rasgava o ar. E o teu toque, como um peso que não se via, atravessou-me, denso e implacável.
Naquele instante, senti-me despedaçar, meus ossos como vidro quebrado, meu peito rasgado em quietude. O tempo parou, e o pulsar da vida em mim cessou. Fui tragada por uma neblina que me parecia eterna, onde o som se extinguia e o ar minguava.
Mas, então, como um milagre, despertei ao som do canto dos pássaros. Estranhei. Pela primeira vez eu pude escutar o som suave das ondas. O mar parecia sussurrar novamente, as ondas abraçavam a costa com leveza. Pude sentir que pertencia a esse lugar. Hoje, a cidade é calma, simples como um dia preguiçoso ao sol. A maré recuou, o azul vestiu-se de cor, e o vento já não me amedronta mais.