A chuva caía lá fora, escorrendo lenta como memórias perdidas, enquanto ela moía os temperos no velho pilão de madeira. Ele estava ali, sentado diante da janela, mas parecia distante, como se o vidro embaçado separasse não apenas a visão, mas também os corações. As gotas de saudade se espalhavam pelo vidro, distorcendo o mundo lá fora, enquanto as luzes da cidade brilhavam mais forte do que o fogo da cozinha.
Ele estava tão preso ao horizonte molhado, tão fascinado pelo brilho do asfalto, que parecia ter deixado sua presença escapar, como um vapor que se dissipa. Era inverno. Talvez, em outros tempos, estaríamos enroscados sob o cobertor, aquecidos pelas chamas que costumávamos compartilhar. Mas, agora o calor que te envolve vem de um sol que não te alcança neste lar. Aqui tudo parece congelado. Até a comida, recém-saída do forno, esfria antes de chegar à mesa. Sentamos diante do prato, mas o sabor é oco, como as refeições prontas que se compram sem alma.
Queria poder te encontrar novamente, como se você fosse algo que se perde entre as prateleiras de um mercado qualquer. Mas sei que nem todas as mercearias do mundo guardam o teu calor que se foi. Estás ao meu lado, mas o que restou de nós se esvaziou há tempos, deixado para trás em alguma esquina em quê passamos
Ainda sinto na lembrança o gosto do macarrão do nosso primeiro encontro, o toque da pimenta-do-reino que você tanto amava. Mas, hoje os temperos parecem perder sua voz, tornaram-se mudos. As gotas da chuva caem pesadas, derramando um oceano que se mistura às minhas lágrimas quando te vejo partir, deixando apenas a louça lavada e o casaco com teu cheiro na cadeira.