Sem ânimo, larguei a xícara de chá sobre a mesinha ao lado do sofá. O calor da bebida já se dissipava, deixando apenas o aroma fraco de camomila no ar. Suspirei fundo, sentindo o peso do dia ainda grudado no corpo, e me levantei com relutância. Cada passo parecia arrastar o cansaço junto.
Caminhei até o banheiro, atravessando a casa que, apesar de me abrigar, nunca me deu muito conforto. A encanação da cozinha era um desastre — vez ou outra, a água simplesmente decidia não aparecer, me obrigando a buscar baldes no banheiro para lavar a louça. Um improviso atrás do outro, como se a casa vivesse em constante estado de emergência.
Mas, se havia algo que nunca me decepcionava, era o chuveiro antigo. Aquele trambolho encardido de ferrugem e calcário era, surpreendentemente, uma bênção. O jato era forte, quase terapêutico e a água saia incrivelmente quentinha. Não importava o quanto minha conta de luz chorasse no fim do mês, em tempos de frio, esse era o único luxo que eu me permitia.
Removi o uniforme, sentindo o tecido gelado escorregar pela pele cansada. Caminhei apressada até o chuveiro, esfregando os braços na tentativa de afastar o arrepio. A brisa que escapava pela pequena janela semicerrada cortava minha pele como agulhas finas.
Assim que a água quente tocou meus ombros, deixei escapar um gemido baixo de alívio. Fechei os olhos e respirei fundo, tentando soltar com o vapor parte da raiva e da tensão acumulada. O calor relaxava meus músculos doloridos, e a névoa que preenchia o banheiro parecia abraçar meu corpo, apagando, ainda que por poucos minutos, o gosto amargo do dia.
Fiquei ali mais tempo do que pretendia, apoiando a testa contra os azulejos, ouvindo o som constante da água como um mantra. Quando finalmente saí, enrolei-me na toalha felpuda e vesti meu moletom mais confortável — o cinza com capuz, já gasto pelo tempo, mas que me abraçava como um velho amigo fiel, desses que permanecem mesmo quando o mundo desmorona.
Desci lentamente para a cozinha, guiada apenas pela luz fraca do corredor. Abri o armário com um gesto automático, os olhos varrendo as prateleiras em busca de algo rápido e quente. Encontrei um pacote de miojo de carne instantâneo e, naquele frio cortante, ele pareceu a única escolha possível. Preparei tudo no modo piloto automático, mexendo o macarrão na panela enquanto minha mente ainda estava presa entre as paredes do escritório. As vozes, os prazos, as broncas... tudo ecoava como se estivesse acontecendo de novo.
Sentei-me à mesa com a tigela fumegante nas mãos, o vapor subindo até o rosto e aquecendo meus sentidos entorpecidos. Ao meu lado, um amontoado de pastas repousava sobre o sofá como um lembrete cruel e silencioso do que ainda me esperava. Os papéis pareciam zombar de mim, imóveis, mas ameaçadores como fantasmas.
— Droga... — murmurei, a voz abafada pela boca ainda cheia. O miojo já não parecia tão saboroso com aquela pilha de tarefas me encarando.
Terminei a refeição devagar, mastigando como quem adia o inevitável. Cada colherada era mais por necessidade do que por fome. Ao terminar, empurrei a tigela fui até o sofá e peguei as mesma, sentindo os ombros desabarem sob o peso da exaustão. Os dedos ardiam, marcados pelos calos de tanto assinar, carimbar e revisar as mesmas folhas intermináveis. Era como se eu estivesse presa num ciclo infinito — e invisível para o mundo.
As horas passaram sem piedade. O silêncio da casa era absoluto, quebrado apenas pelo som da caneta riscando o papel e pelo ocasional estalar da madeira sob meus pés cansados. Quando olhei para o celular e vi os dígitos frios no visor, meu estômago se contraiu.
2h30 da manhã.
Tentei manter os olhos abertos, mas tudo pesava: o corpo, a cabeça, o coração. Estava exausta. Com frio, sono e a garganta seca, mas determinada a terminar tudo antes do prazo. Tanto esforço para continuar pobre e recendo aquela merreca, uma puta hipocrisia.
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I'm Lorena
ChickLitEla dança sob os holofotes, mas vive nas sombras de um passado que ainda a queima. Lorena, uma mulher plus size com curvas tão perigosas quanto sua história, se vê dividida entre o ex-chefe dominador que a quer de volta... e um milionário sedutor qu...
