34| ÚLTIMOS DIAS EM LONDRES

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Lex.

Alcançamos a parte de trás da casa. Se a parte da frente fazia com que o jardim parecesse modesto, essa impressão se dissipava quando se chegava ali. Era uma área enorme, até onde eu conseguia ver. Ao longe, a água de um enorme chafariz desligado parecia estar tão fria que dava a impressão de estar congelada.

Vinnie parecia meu guia turístico particular, reportando cada pequeno detalhe de cada planta e pedra naquele lugar. Eu estava interessada, mas tinha que admitir que estava mais distraída com a presença dele e seu modo de agir despreocupado do que com o que ele falava.

— No último aniversário do meu pai, fizemos uma festa aqui. Estávamos em Abril. — ele continuou, apontando para os bancos de pedra que percorriam os arbustos altos e as mesas e cadeiras de jardim brancas no estilo vitoriano, várias delas enfileiradas em um campo enorme cercado por árvores de vários tamanhos, um pouco sem vida por causa do frio.

Havia postes de luz por todo o lugar, acompanhados de balizadores e luzes baixas no chão que marcavam os caminhos, próximas aos troncos das árvores. Imaginei como seria uma festa ali, o efeito daquela iluminação em uma noite de primavera. Suspirei.

Alcançamos o chafariz. Olhei hipnotizada para o fundo dele sem motivo algum. A água estava um pouco trêmula por causa do vento. Nem o tempo cinza poderia fazer com que aquele lugar parecesse menos que perfeito.

Vinnie tirou de dentro do próprio casaco alguns panos, os quais eu não fazia a menor ideia de onde vieram, e colocou-os lado a lado no muro alto do chafariz, cobrindo a pedra mármore molhada de orvalho e fazendo menção para que eu sentasse em cima de um dos panos. Foi o que fiz, e ele repetiu meu ato.

Por algum motivo, fiquei um pouco tensa.

— Está gostando daqui?

— Muito. — falei de forma sincera, sorrindo. — É mais ou menos como um sonho se parece.

Ele sorriu de volta, mas seu sorriso foi sumindo aos poucos.

— Por falar em sonho... Queria saber do que se tratava o seu hoje de manhã.

Parei de sorrir também.

— "Foi só um pesadelo", lembra?

— Lembro. Mas eu quero saber.

— Por que quer saber?

— Porque eu sei que tenho a ver com ele.

Eu sabia que ele sabia. Ele sabia inclusive qual era a essência do sonho, se eu tomasse como referência suas palavras no banheiro.

— Bem, você não estava nele.

— Ainda assim...

— Eu acordei do lado de um homem que não conhecia. Era um cliente. Era como se você não tivesse voltado aquele dia.

Um silêncio pesado pairou sobre nós, como eu sabia que aconteceria. Vinnie continuou me olhando com uma expressão neutra, como se estivesse processando cada palavra minha.

— Você sabe que esses sonhos só acontecem porque você tem esse medo, não é?

Ele parecia calmo, como se estivéssemos conversando sobre o Natal. Isso fez com que eu também me acalmasse.

— Sei.

— Então, você pode pelo menos tentar...

— Tentar não ter medo? Isso não está nas minhas mãos.

Ficamos em silêncio outra vez, e notei que pela primeira vez estávamos conversando sobre aquele assunto delicado. Era o assunto que evitávamos de todas as maneiras, mas agora lá estava ele, tomando aquele momento como se a conversa fosse banal. E embora não fosse nada banal, embora estivesse sendo difícil conversar sobre aquilo, também não estava sendo completamente ruim. Algo me dizia que eu sairia dali com alguns quilos a menos nas costas.

Entrelaçados ᵛⁱⁿⁿⁱᵉ ʰᵃᶜᵏᵉʳOnde histórias criam vida. Descubra agora