Capítulo 3: Um Eco nas Lembranças

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16 de novembro de 2012
Paris, França.
Jennie Ruby Jane

A manhã em Le Marais, um pequeno bairro em Paris, parecia adormecida, coberta por um véu de névoa que arrastava a cidade para um mundo que se situava entre o sonho e o esquecimento. O céu, turvo e opaco, refletia o próprio estado de Ruby Jane, que caminhava como quem vaga em busca de algo que nem sabe como nomear. Os ecos da noite anterior ainda ressoavam, confusos, em sua mente – vozes longínquas, sensações dispersas – e, enquanto ela descia as escadas de sua casa, sentia-se tão distante de si mesma quanto dos sons abafados do piano que vinham do andar de baixo.

A casa dos Ruby Jane parecia suspensa em um silêncio dolorosamente familiar, perturbado apenas pelas notas hesitantes de Marie, sua mãe, que tocava com um fervor que Jennie já não sabia reconhecer. Havia algo de desesperado na forma como os dedos de Marie percorriam as teclas, como se tentassem desesperadamente resgatar um passado perdido, um tempo em que a música havia sido uma forma de preenchimento e não de fuga. Jennie sabia que para sua mãe cada melodia era uma tentativa de manter intacta a ilusão de que tudo ainda estava bem. Mas Jennie, que se movia pela casa como uma sombra, sentia que a melodia apenas acentuava o vazio que a rodeava.

Ao se vestir, a jovem deixou que seus dedos deslizassem sobre o tecido do vestido que usaria naquele dia – uma peça delicada e florida, que outrora a teria encantado. Agora, as flores bordadas pareciam ironicamente alegres demais, como se pertencessem a uma versão mais antiga e irremediavelmente distante de si mesma. O reflexo no espelho devolvia a imagem de alguém que Jennie mal reconhecia. Seu rosto, pálido e de olhos profundos, era o de uma estranha. Onde estava a Jennie que ria sem esforço, que se encantava com as cores do mundo, que via na música não um eco, mas um sopro de vida? Ela tocou o vidro, como se a superfície fria pudesse fornecer uma resposta, mas apenas o silêncio retornou.

Após um café da manhã onde as palavras eram escassas e pesavam como pedras, Jennie decidiu escapar para o Jardim de Luxemburgo. Ali, entre árvores antigas e caminhos sinuosos, ela buscava encontrar algum sentido para os sentimentos que a consumiam. A cada passo pelas ruas de Paris, o murmúrio da cidade a cercava: risos distantes, conversas entrecortadas, o som dos sinos ao longe. Ela sentia como se estivesse presa em uma bolha, vendo o mundo ao seu redor mover-se enquanto ela permanecia estática, perdida em uma névoa que não conseguia dispersar.

No jardim, a beleza a cercava de forma quase cruel. As flores vibrantes, os bancos antigos, as crianças correndo entre os canteiros... Tudo parecia vivo e pulsante, exceto ela. Jennie se sentou em um banco sob uma castanheira, o tronco robusto lembrando-a de suas próprias raízes que pareciam enfraquecer. Ela olhou para suas mãos apoiadas no colo, tentando entender por que a vida havia perdido a cor. Sentia-se estranha até consigo mesma, como se habitasse um corpo que não era o seu, como se o coração que batia em seu peito fosse de outra pessoa.

"Por que me sinto tão vazia?" ela se perguntou, quase temendo a resposta. "Será que algo em mim se quebrou para sempre?" As perguntas ecoavam sem cessar em sua mente, um fluxo contínuo de dúvidas que a deixavam exausta. Pensar nos pais trazia uma mistura dolorosa de conforto e culpa. Ela sabia que Marie e George a amavam profundamente, mas como poderia explicar-lhes que, mesmo cercada por esse amor, se sentia irremediavelmente só? Como confessar que a música, que para eles era a essência da felicidade, para ela se tornara apenas um lembrete do que havia perdido?

Foi nesse momento de devaneio, em meio à bruma dos próprios pensamentos, que uma figura captou o olhar de Jennie. Uma jovem se aproximava lentamente pelo caminho, os cabelos escuros esvoaçando levemente com a brisa. Havia uma gravidade serena em seus passos, algo que a distinguia da alegria vibrante que permeava o jardim. Ela carregava consigo um caderno de couro, pressionando-o contra o peito com um gesto quase protetor, como se ali guardasse algo precioso. Seus olhos pareciam perdidos em um ponto além, como se não vissem o que estava à frente, mas algo distante no tempo.

Jennie a observou com um misto de curiosidade e estranha familiaridade. Por algum motivo, a presença da jovem a tocava de maneira inesperada, como se houvesse uma compreensão tácita entre elas – uma ligação silenciosa que não exigia palavras. "Quem é ela?" Jennie se perguntou, enquanto a desconhecida parava por um instante próximo à fonte. Havia algo em seu olhar que parecia compartilhar a mesma melancolia que Jennie sentia em seu coração, uma tristeza delicada, quase imperceptível, mas profundamente ressonante.

Os olhos de Jennie se encontraram com os da jovem por um momento fugaz. Sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha, uma sensação tão súbita e intensa que quase a fez recuar. Era como se aquela estranha tivesse visto através dela, atravessado a máscara de indiferença que Jennie usava para se proteger. E então, tão rapidamente quanto o olhar havia se cruzado, a jovem seguiu em frente, seus passos desaparecendo na névoa que começava a se adensar. Ela se fora, deixando apenas a impressão vaga de que algo importante acabara de acontecer – uma oportunidade que Jennie havia deixado escapar sem compreender por quê.

Ela permaneceu ali, com o olhar fixo no ponto onde a figura havia desaparecido, o coração palpitando com uma ansiedade inexplicável. "Será que ela também sente esse vazio?" A pergunta veio à mente antes que Jennie pudesse reprimi-la. Não sabia por que a ideia lhe ocorrera, mas a possibilidade de que aquela desconhecida partilhasse do mesmo sentimento de desconexão a fez sentir uma súbita necessidade de segui-la, de descobrir quem ela era e o que escondia naquele caderno.

Porém, ao se levantar do banco, Jennie hesitou. E se estivesse apenas se enganando, tentando projetar sua própria dor em outra pessoa? Talvez a jovem fosse apenas uma passante qualquer, alguém cujo olhar distante não escondia nada além de um momento de distração. A incerteza a paralisou, e ela voltou a sentar-se, sentindo-se ridícula por ter imaginado algo tão absurdo.

A noite começava a lançar suas sombras sobre Paris, tingindo o céu com tons de laranja e violeta, enquanto Jennie permanecia ali, imóvel. Sentiu uma onda de frustração crescente, como se cada minuto que passava apenas a enterrasse mais fundo em sua própria apatia. Ela olhou para suas mãos mais uma vez, e por um instante desejou que aquele caderno estivesse em seus braços – um objeto que talvez contivesse respostas, algo que quebrasse o silêncio ensurdecedor em seu peito.

Quando finalmente se levantou para ir embora, Paris estava se iluminando com suas luzes cintilantes, a cidade pulsando com uma vida que parecia indiferente ao vazio que Jennie carregava. Ela caminhou para casa, sozinha, sentindo-se uma mera espectadora em um teatro onde todos, exceto ela, sabiam suas falas e dançavam ao ritmo de uma música que apenas ecoava distante em sua mente.

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Musica inspiração para esse capítulo:
We'll Met Again, Vera Lynn

On the Last Day, JenlisaOnde histórias criam vida. Descubra agora