capítulo 2 - A queda

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A manhã havia começado de maneira difícil, mas Anne mantinha a determinação firme. Naquele segundo dia de aula, ela decidiu que não deixaria que a crueldade dos outros alunos a definisse. E, enquanto o professor passava as perguntas da matéria, Anne surpreendeu a todos ao responder com precisão cada uma delas.

— Anne Salles, mais uma vez correta — disse o professor, com um leve tom de surpresa na voz. Ele claramente não esperava que uma aluna cega, ainda mais nova na escola, fosse tão atenta e afiada. — Parece que temos alguém muito preparado aqui.

O silêncio constrangedor na sala foi substituído por murmúrios de irritação. Os olhares desconfiados recaíram sobre ela, mas Anne permanecia impassível, fingindo que não notava as ondas de ressentimento que vinham de todos os lados. Noah, que estava sentado no fundo da sala, observava em silêncio, mais intrigado do que incomodado. Ele não esperava que a nova aluna fosse tão... afiada.

Quando o sinal tocou, anunciando o intervalo, Anne arrumou seus materiais cuidadosamente. Como de costume, manteve a cabeça erguida, ignorando os comentários e as risadinhas. Amélie já havia saído da sala, então Anne se preparou para caminhar sozinha até o refeitório.

Foi nesse momento que, ao se aproximar da porta, um dos alunos, Matteo, esticou a perna, colocando o pé bem na frente dela. Anne, sem enxergar o obstáculo, tropeçou. O chão parecia se aproximar rápido demais, e seu corpo perdeu o equilíbrio. O choque da situação a pegou de surpresa, e, por um instante, o pânico a dominou.

Mas antes que pudesse cair completamente, um par de mãos firmes a segurou pela cintura, impedindo sua queda. Anne sentiu o calor das mãos que a puxaram de volta à segurança e, com o coração disparado, se endireitou. Seus óculos, no entanto, escorregaram do rosto e caíram no chão.

Ela mal teve tempo de se recompor quando percebeu que Noah, o garoto que ela tanto ouvira ser mencionado, estava ali, segurando-a. Os murmúrios cessaram por um breve momento, e tudo ficou em silêncio.

Noah, que sempre parecia tão distante e arrogante, agora estava a poucos centímetros dela, com os olhos fixos no seu rosto. Sem os óculos para esconder seus olhos paralisados, Anne ficou vulnerável, exposta. Seus olhos, de um azul profundo, encaravam o nada, mas eram incrivelmente belos, como se guardassem segredos e emoções invisíveis. Por um instante, Noah ficou hipnotizado.

Apesar de saber que Anne não podia ver, ele se aproximou ainda mais, observando seus traços delicados e aquele olhar enigmático que parecia penetrar sua alma. Era quase irônico que alguém que não enxergava pudesse ter olhos tão expressivos e encantadores.

— Você está bem? — perguntou Noah, a voz mais suave do que ele pretendia.

Anne assentiu, um pouco desconcertada.

— Sim, obrigada — murmurou ela, sentindo o rosto aquecer. Embora não pudesse ver, ela percebia o peso do silêncio ao redor, o desconforto das pessoas que assistiam à cena.

Matteo, que havia sido o responsável pelo tropeço, deu uma risadinha nervosa, mas Noah o encarou de forma severa.

— Dá pra calar a boca? — disse Noah, a voz fria. Matteo engoliu seco, visivelmente intimidado.

Noah, então, se abaixou, pegou os óculos de Anne do chão e os entregou delicadamente. Ao fazê-lo, seus dedos roçaram levemente os dela, e ele sentiu um estranho arrepio subir pela espinha.

— Aqui estão — disse ele, tentando disfarçar o que sentia. Anne pegou os óculos, ainda um pouco desorientada com a situação, e os colocou de volta, agradecendo com um leve sorriso.

— Obrigada, Noah — respondeu ela, com a voz baixa, mas firme.

Enquanto Anne se afastava, guiando-se pela bengala, Noah continuou a observá-la, confuso. Algo nele havia mudado. Até aquele momento, ela era apenas mais uma aluna para ele. Uma nova peça em um jogo que ele controlava. Mas agora... agora ele não sabia mais o que pensar.

Os outros alunos começaram a cochichar e a seguir seus próprios caminhos, mas Noah ficou parado por alguns instantes, perdido em pensamentos. Algo naquela garota o perturbava, e ele não sabia explicar o porquê.

Assim que Anne se afastou, Noah ficou parado por alguns instantes, ainda processando o que havia acabado de acontecer. Seus olhos seguiam a silhueta dela se distanciando no corredor, até que a voz de Matteo quebrou o silêncio.

— Cara, o que foi isso? — Matteo riu, ainda chocado com a cena. — Salvando a princesinha cega? Sério? Desde quando você é o herói da escola?

Yan, ao lado dele, não perdeu a oportunidade de provocar.

— O grande Noah, o intocável, agora virou babá de órfã? — ele disse, em tom debochado, arrancando risadas dos outros alunos. — Eu pensei que ela era só mais uma... mas parece que alguém aqui tá interessado.

Os garotos gargalharam, se cutucando e dando tapinhas nas costas uns dos outros, como se tivessem presenciado o momento mais ridículo do ano. Noah, no entanto, não respondeu de imediato. O sorriso de sempre desapareceu, e uma sombra de irritação passou por seu rosto.

— Relaxa, Noah. — Matteo se aproximou, tentando puxá-lo de volta para o grupo. — Ela é só uma ninguém. Você sabe que não vale a pena. A gente sempre zoa quem é novo aqui, é tradição.

Noah, ainda com o olhar distante, pareceu ponderar as palavras dos amigos. Por mais que algo dentro dele quisesse responder de maneira diferente, ele sabia que não podia demonstrar qualquer tipo de fraqueza ou empatia. Sua imagem era tudo, e ele sempre controlava a narrativa. Ali, na Escola Frankfurt, ele era o líder, e qualquer desvio dessa postura poderia arruinar sua reputação.

— Vocês estão certos — disse ele, finalmente, com um tom desinteressado, como se nada tivesse acontecido. — Ela não é ninguém.

Os garotos sorriram, satisfeitos por verem que o Noah que conheciam estava de volta.

— Isso aí! — exclamou Yan, socando de leve o ombro de Noah. — Vamos deixar essa garota de lado. Não vale a pena.

Noah deu um meio sorriso, fingindo que não se importava com o que tinha acabado de acontecer. Mas, por dentro, ele sabia que algo tinha mudado. Por mais que ele tentasse se convencer de que Anne não era importante, a imagem dos olhos dela – aqueles olhos azuis tão profundos, tão cheios de mistério – continuava a rondar sua mente.

— Vamos indo, então — Noah disse, finalmente, movendo-se para sair da sala com os outros. Ele seguiu os amigos, voltando ao seu papel de sempre, o garoto intocável e arrogante que controlava tudo ao seu redor. Mas, enquanto caminhava, uma parte dele, pequena, mas crescente, sabia que Anne não seria apenas uma ninguém para ele.

No entanto, naquele momento, ele estava disposto a ignorar isso. Afinal, não poderia mostrar aos outros, nem a si mesmo, que algo em Anne o havia afetado. Ela era diferente, e ele ainda não sabia se isso era bom ou ruim.

A Garota Cega e o Filho da Diretora Onde histórias criam vida. Descubra agora