Capítulo 3 - O Retorno à Realidade

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Anne caminhava com pressa pelos corredores da escola, ainda sem entender o que havia acontecido. A sensação de estar caindo, o toque inesperado de Noah a segurando... tudo parecia confuso. Mas ela não teve tempo para refletir muito. Pegou suas coisas e foi embora, desejando chegar em casa o mais rápido possível.

Ao chegar à imponente mansão da família Salles, foi recebida com o som abafado de música e risadas vindo da sala. Mas Anne sabia que aquele mundo não era para ela. Ela seguiu em silêncio até seu quarto dos fundos, mas antes que pudesse chegar, a voz afiada de Lívia ecoou pelo corredor.

— Ah, finalmente chegou, princesa — Lívia zombou, encostada no batente da porta de seu próprio quarto, com um sorriso maldoso. — Tá pensando que pode sair e voltar quando quiser? Tenho umas coisinhas pra você fazer.

Anne parou, tentando manter a calma. Sabia que qualquer resposta só pioraria a situação.

— O que você quer, Lívia? — perguntou, a voz baixa e controlada.

— Quero que faça minha lição de casa. Matemática, história, tudo. E arrume meu quarto. Tá uma bagunça. — Lívia jogou os cadernos de qualquer jeito na direção de Anne, que, sem enxergar, ouviu o som dos livros caindo ao chão.

Anne hesitou por um instante, mas se abaixou para pegar os cadernos, sentindo o peso das palavras cruéis. Não era a primeira vez que Lívia fazia isso. E, como sempre, ninguém da família interferia.

— Melhor começar logo, ou vou contar aos meus pais que você não faz nada pra ajudar — ameaçou Lívia, sorrindo com malícia.

Anne fez o que foi pedido. Fez a lição de Lívia em silêncio e depois passou a arrumar o quarto da garota, dobrando roupas, organizando os objetos, tudo com um cuidado silencioso, enquanto Lívia mexia em seu celular, sem dar a mínima para o esforço de Anne.

Após horas de trabalho, Anne finalmente pôde ir para seu pequeno quarto dos fundos. Ela respirou fundo ao entrar no cômodo simples, sua única forma de refúgio naquele lugar. Sentou-se em sua cama e pegou seus livros em braille, passando os dedos delicadamente pelas páginas, navegando em histórias que a transportavam para mundos onde não havia dor, nem humilhação.

Mas, naquele dia, sua mente não conseguia focar nas histórias. Depois de alguns minutos, Anne colocou o livro de lado e pegou seu violino, o instrumento que a fazia esquecer, mesmo que por pouco tempo, da realidade. Ela começou a tocar suavemente, as notas enchendo o quarto com uma melodia triste, mas confortante.

De repente, a porta foi aberta bruscamente. Lívia entrou no quarto com um olhar furioso.

— Para com isso! — gritou, sua voz alta e cortante. — Não quero ouvir essa porcaria! Vai atrapalhar todo mundo com essa música chata!

Anne parou de tocar imediatamente, seu coração acelerado. Mesmo que o violino fosse sua única fuga, ela sabia que qualquer resposta a Lívia só resultaria em mais problemas.

— Eu só... estava tocando um pouco — disse Anne, quase como um sussurro.

— Não me interessa! Para de tocar e fica quieta! — gritou Lívia, saindo do quarto e batendo a porta com força.

Anne deixou o violino de lado, lutando para não deixar as lágrimas escorrerem. Ela estava sozinha. Não importava o que fizesse, ninguém ligava para ela naquela casa. Exceto...

A porta se abriu novamente, mas desta vez, uma figura familiar apareceu. Era Dolores, a governanta. Seu rosto expressava preocupação e carinho, algo raro naquele lugar.

— Anne, querida, está tudo bem? — perguntou Dolores, sua voz suave como um bálsamo.

— Sim, Dolores — respondeu Anne, sem muita convicção. — Eu só... não devia ter tocado.

— Não, querida, você tem todo o direito de tocar — disse Dolores, aproximando-se e sentando-se ao lado de Anne na cama. — Não deixe que ela te faça pensar o contrário. Lívia não sabe o que é certo, e você não deve sofrer por isso.

Anne sorriu levemente, agradecida pela presença de Dolores. A governanta sempre fora uma figura de proteção para ela, a única pessoa que parecia realmente se importar.

— Eu sei, Dolores. Mas é difícil. Às vezes, sinto que não vou aguentar mais viver aqui — confessou Anne, a voz embargada pela emoção.

— Você é muito forte, Anne — disse Dolores, segurando suavemente a mão dela. — Não deixe que ninguém te faça duvidar disso. Vai chegar o dia em que as coisas vão mudar. Enquanto isso, eu estarei aqui, com você.

Anne assentiu, sentindo uma pequena centelha de esperança acender em seu coração. Mesmo naquele lugar cheio de crueldade e indiferença, havia Dolores. E, por mais pequena que fosse, essa conexão lhe dava forças para continuar.

— Obrigada, Dolores — disse Anne, com um suspiro aliviado.

— Sempre estarei aqui, querida — respondeu a governanta, levantando-se e ajeitando a cama de Anne. — Agora, tente descansar. Amanhã é outro dia.

Anne deitou-se, com o som reconfortante da porta sendo fechada suavemente. Mesmo em meio à escuridão que era sua vida, as palavras de Dolores ecoavam como uma luz. Um dia, tudo mudaria. E, até lá, ela continuaria lutando.

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A Garota Cega e o Filho da Diretora Onde histórias criam vida. Descubra agora