O jantar na mansão dos Juízes Albuquerque era um evento raro, reservado apenas para convidados muito seletos. Quando Xamã organizava essas reuniões, elas eram sempre luxuosas, regadas a vinho caro e conversas que revelavam o poder que ele detinha no sistema judicial. Ludmilla sabia exatamente o que esse tipo de evento significava para ele. Era uma oportunidade de exibi-la como um troféu – a esposa perfeita e impecável, com sua beleza estonteante e seu comportamento submisso. E ele, claro, gostava de lembrá-la disso em cada palavra, em cada gesto.
Enquanto se olhava no espelho naquela noite, Ludmilla tentou não deixar o desconforto transparecer. Vestia um longo vestido preto, elegante e sofisticado, que abraçava suas curvas de forma impecável. Sua maquiagem estava perfeita, o cabelo penteado em ondas sutis, tudo para criar a ilusão de uma mulher que vivia em constante estado de perfeição. Mas por dentro, ela se sentia cada vez mais quebrada. Cada evento como aquele era uma lembrança dolorosa de como sua vida se resumia a aparências, a agradar Xamã e seus amigos.
— Você está deslumbrante — disse Xamã, surgindo de repente atrás dela, segurando seus ombros e observando-a no reflexo do espelho. Havia algo em sua voz que misturava admiração com posse, como se Ludmilla fosse uma peça de arte em exposição. — Esta noite, mais do que nunca, todos saberão o quanto você é minha.
Ela forçou um sorriso, mesmo que o toque dele lhe causasse calafrios. Já sabia o que ele queria dizer com aquilo. Xamã gostava de reafirmar seu domínio sobre ela, especialmente diante de seus amigos, muitos dos quais eram igualmente poderosos e influentes.
— Vamos descer — disse ele, segurando sua mão com força. — Estão todos esperando para ver a mais bela mulher desta cidade.
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A sala de jantar da mansão estava impecavelmente decorada, com candelabros reluzentes pendendo do teto e a mesa principal repleta de cristais e talheres de prata. Os convidados já haviam começado a se reunir, seus risos e conversas preenchendo o ambiente. Havia algo de excessivamente teatral em toda a situação. Tudo precisava ser perfeito.
Xamã guiou Ludmilla até o centro da sala, como se estivesse desfilando com ela, um leão exibindo sua presa. Os olhares dos homens logo recaíram sobre ela, alguns mais discretos, outros com uma malícia difícil de ignorar. O desconforto cresceu dentro de Ludmilla, mas ela sabia o papel que tinha que desempenhar. A esposa perfeita. A mulher submissa. O troféu inabalável.
— Senhores, como podem ver, Ludmilla está mais radiante do que nunca — Xamã anunciou em alto e bom tom, com uma confiança quase repugnante. — E logo, logo, teremos mais uma novidade para compartilhar. — Ele passou a mão pela cintura dela, apertando-a com firmeza, deixando claro que ela era sua propriedade. — Um filho para dar continuidade ao nosso legado.
Ludmilla sentiu o estômago revirar, mas conseguiu manter o sorriso no rosto. Já estava acostumada a essas demonstrações públicas de domínio. Xamã gostava de reforçar sua ideia de "controle" sobre ela, especialmente quando se tratava de sua capacidade de gerar um herdeiro. Ele falava sobre isso como se fosse uma transação. Um filho não era fruto de amor ou desejo compartilhado, mas uma peça do quebra-cabeça da imagem pública que ele queria manter.
Os olhares dos amigos de Xamã recaíram sobre ela novamente, agora carregados de um misto de curiosidade e julgamento. Um dos amigos de Xamã, um homem corpulento de meia-idade com uma expressão cínica, chamado Arnaldo, não demorou a fazer um comentário vulgar.
— Espero que dessa vez ela consiga segurar a criança, né, Xamã? — disse Arnaldo, com um sorriso cínico nos lábios, enquanto os outros homens riam com deboche.
Ludmilla sentiu o sangue gelar ao ouvir as palavras dele. Era como se alguém tivesse rasgado a ferida aberta de sua alma, expondo-a diante de todos. Ela mordeu o lábio, tentando não deixar a dor transparecer, mas Xamã não pareceu se importar com a crueldade da piada. Pelo contrário, riu junto com os outros, como se fosse uma anedota inofensiva.
— Ah, dessa vez será diferente — respondeu Xamã, com a voz tranquila, enquanto apertava Ludmilla ainda mais contra si. — Já estamos cuidando disso. Logo ela me dará o filho que tanto espero.
As palavras dele eram uma faca afiada cravada no coração de Ludmilla. Tudo era tratado com superficialidade, como se a perda de Jasmine não tivesse significado absolutamente nada. Ludmilla sentiu a garganta apertar, mas forçou-se a permanecer imóvel, um sorriso falso ainda colado em seu rosto. Sabia que qualquer reação sua seria notada, e a última coisa que queria era chamar mais atenção para si.
Do outro lado da sala, Brunna observava em silêncio, afastada das conversas dos convidados. Ela havia sido designada a ajudar no serviço, cuidando da cozinha e supervisionando a equipe. Mas, à distância, seus olhos seguiam Ludmilla, percebendo cada nuance em sua expressão. O desconforto dela era evidente, embora estivesse escondido sob camadas de maquiagem e um sorriso forçado. Brunna viu a forma possessiva como Xamã a mantinha perto de si, como se ela fosse um acessório de luxo a ser exibido.
Ela sabia que Ludmilla estava sofrendo, e a cada risada e comentário maldoso dos amigos de Xamã, a raiva de Brunna crescia. Os homens ao redor da mesa eram nojentos, desprezíveis. Falavam de Ludmilla como se ela fosse uma propriedade compartilhada entre eles, algo que Xamã havia conquistado e que eles podiam comentar e debochar à vontade.
— E então, Ludmilla, está ansiosa para ser mãe de novo? — perguntou outro homem, José Pedro, um empresário arrogante que trabalhava com Xamã em diversos projetos. — Ou está com medo de estragar o corpo perfeito? — Ele sorriu, seus olhos deslizando descaradamente pelas curvas dela.
Ludmilla sentiu o rosto queimar de vergonha e raiva, mas, mais uma vez, não conseguiu reagir. Xamã, ao seu lado, riu da piada, como se estivesse completamente à vontade com a vulgaridade do comentário.
— Ela está pronta, confie em mim — respondeu Xamã, dando um leve tapa na cintura de Ludmilla, como se estivesse afirmando sua "posse".
Brunna teve que morder o lábio para não dizer nada. Ela sabia que não podia se envolver, que seu lugar ali era de funcionária, mas a injustiça do que estava acontecendo a corroía por dentro. Ela não entendia como Ludmilla suportava aquilo. Como uma mulher tão linda e, aparentemente, tão forte por fora podia ser tão prisioneira daquela vida.
Enquanto os homens continuavam a rir e a fazer piadas cruéis, Xamã apertava Ludmilla ainda mais contra si, como se estivesse reforçando seu domínio, como se quisesse ter certeza de que todos soubessem que ela pertencia a ele e a ninguém mais. Ludmilla mal conseguia respirar sob o peso da possessividade dele. Cada toque, cada sorriso forçado, tudo contribuía para o desconforto crescente que ela sentia.
— Eu preciso de um pouco de ar — Ludmilla murmurou, mas antes que pudesse dar um passo, Xamã a segurou firmemente pelo braço, impedindo-a de se afastar.
— Fique mais um pouco, querida — disse ele, com aquele tom calmo, mas carregado de autoridade. — Meus amigos ainda não terminaram de apreciar sua presença.
Ela sabia que não havia como recusar. Era mais uma noite em que seu papel seria o de suportar os olhares lascivos, as piadas machistas e o comportamento arrogante de Xamã e seus amigos. Brunna observava tudo, impotente, mas com uma crescente determinação em seu peito. Ela prometeu a si mesma que não desistiria de Ludmilla, que de alguma forma a tiraria daquela situação sufocante. Mas, por ora, só podia assistir de longe, esperando pela oportunidade certa de agir.
O jantar continuava, com a mesa cheia de risos falsos e conversas superficiais, enquanto Ludmilla, a cada minuto, se sentia mais prisioneira em sua própria casa.
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Além Do Olhar
FanficEm um casamento de fachada, Ludmilla enfrenta um relacionamento abusivo com o renomado juiz Xamã. Enquanto isso, Brunna luta para manter sua casa e encontra em Ludmilla uma conexão inesperada. Entre o medo e a esperança, elas terão que decidir se vã...