Capítulo 7: A Máscara Rachada

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A noite continuava, mas o desconforto de Ludmilla parecia aumentar a cada minuto. Sentada à mesa, ao lado de Xamã, ela tentava manter a postura ereta, o sorriso educado nos lábios, enquanto seu corpo inteiro parecia querer se encolher. Os olhares constantes e os comentários maliciosos dos amigos de Xamã a faziam se sentir exposta de uma forma humilhante, como se cada movimento seu fosse observado e julgado. A sala parecia menor, o ar mais denso.

Brunna continuava a supervisionar de longe, seus olhos atentos a cada detalhe. Ela já conhecia o padrão: Ludmilla sempre começava essas noites com o sorriso no rosto, mas, à medida que as horas passavam e as piadas se tornavam mais pesadas, era como se um pedaço de sua alma fosse arrancado. Cada palavra, cada risada cruel era uma lâmina que cortava lentamente sua dignidade.

Xamã, no entanto, estava em seu auge. Ele parecia brilhar sob o olhar admirado dos amigos, como se o controle absoluto que exercia sobre Ludmilla fosse motivo de orgulho. Seu braço permanecia firmemente ao redor da cintura dela, apertando-a levemente de tempos em tempos, como se quisesse reafirmar a posse diante de todos. A mão dele deslizou até a coxa dela, quase de forma casual, mas o gesto estava longe de ser carinhoso. Era um aviso silencioso, um lembrete de quem tinha o controle. Ludmilla respirou fundo, tentando esconder o desconforto.

— Então, Xamã — um dos amigos, um homem de rosto alongado e olhar perscrutador, disse entre um gole de vinho e outro. — Quando vamos ver esse herdeiro, hein? Estou começando a achar que a senhora aqui está com problemas em cumprir o dever, não é? — Ele olhou para Ludmilla com um sorriso irônico, enquanto os outros homens riam.

A risada ecoou pela sala, cortando o ar. Ludmilla sentiu o rosto queimar. Era como se o comentário a tivesse atingido diretamente no coração. Ela olhou para o lado, tentando não demonstrar a dor que estava sentindo, mas não conseguia esconder o tremor em suas mãos. A verdade sobre Jasmine estava ali, sempre à espreita, pronta para devorar qualquer vestígio de estabilidade emocional que ela tentava manter.

Xamã, por sua vez, sorriu com aquela arrogância habitual. Ele não se importava com o que os outros diziam, desde que pudessem ver que ele estava no controle. Ele apertou Ludmilla mais uma vez, olhando para os amigos como se fosse uma piada inofensiva.

— Não se preocupem, senhores — disse ele, com o tom autoritário de sempre. — Ludmilla está cuidando disso. Logo, logo, terei o herdeiro que todos esperam.

Ludmilla engoliu em seco, sentindo a pressão crescer em seus ombros. O peso das expectativas de Xamã parecia esmagá-la lentamente. Ele falava de filhos como se fosse uma simples questão de tempo, como se não houvesse dor envolvida, como se ela não fosse mais do que um meio para um fim.

Os amigos de Xamã continuaram a rir e fazer piadas, mas Ludmilla já não conseguia mais escutar as palavras. Tudo ao seu redor começou a se distanciar, como se ela estivesse presa em um pesadelo do qual não conseguia acordar. Sentia-se sufocada, como se as paredes da sala estivessem se fechando. Cada risada, cada comentário maldoso a fazia afundar mais em seu próprio abismo de dor.

De repente, ela não aguentou mais. Empurrando suavemente o braço de Xamã, ela murmurou:

— Eu preciso de um pouco de ar.

Sem esperar pela resposta dele, levantou-se e caminhou apressadamente para fora da sala, suas mãos trêmulas tentando disfarçar o desespero crescente. Brunna a observou sair, percebendo o estado abalado da patroa. Com um suspiro preocupado, ela seguiu para a cozinha, onde o resto da equipe terminava de preparar os últimos pratos da noite.

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Ludmilla andou pelo jardim da mansão, o vento fresco da noite acariciando seu rosto e trazendo um breve alívio para a pressão sufocante que sentia. Ela parou diante da fonte iluminada, respirando fundo, tentando organizar os pensamentos que estavam em completo caos. Aquelas reuniões sempre a deixavam despedaçada, mas ultimamente parecia que cada vez ficava mais difícil manter a compostura.

O rosto de Jasmine, sua filha perdida, veio à tona em sua mente. A lembrança do quarto vazio, das pequenas roupinhas que nunca seriam usadas, da dor indescritível do aborto. Tudo voltava com uma força esmagadora. Como ela poderia continuar vivendo com essa fachada, fingindo que estava tudo bem? Fingindo que não havia perdido uma parte de si mesma?

— Ludmilla? — A voz de Brunna surgiu atrás dela, suave e hesitante.

Ludmilla virou-se rapidamente, surpresa por ver a empregada ali, mas algo em seu olhar lhe trouxe uma estranha sensação de conforto. Era como se Brunna soubesse, de alguma forma, o que ela estava passando, mesmo sem conhecer todos os detalhes.

— Você está bem? — Brunna perguntou, dando alguns passos à frente, sua expressão cheia de preocupação genuína.

Ludmilla forçou um sorriso, tentando esconder o abismo de dor que sentia, mas era inútil. Brunna era uma das poucas pessoas que enxergava além da fachada. Ludmilla suspirou e cruzou os braços, protegendo-se do frio e do peso da vulnerabilidade.

— Não... — Ludmilla sussurrou, seus olhos marejados. — Não estou bem.

Brunna hesitou por um momento, mas então deu um passo mais perto, como se quisesse oferecer algum tipo de consolo. Ela sabia que não podia se envolver demais, que sua posição na mansão era delicada, mas ver Ludmilla tão despedaçada a fazia querer quebrar todas as regras.

— Eu... não sei o que dizer — Brunna murmurou, olhando para o chão. — Mas sei que você não merece isso. Ninguém merece.

As palavras de Brunna, por mais simples que fossem, tocaram algo profundo dentro de Ludmilla. Era como se alguém finalmente estivesse reconhecendo sua dor, sua existência além de ser a esposa de Xamã.

Ludmilla fechou os olhos por um momento, deixando que o silêncio da noite envolvesse ambas. Aquele momento era breve, mas carregava um significado profundo. Brunna não precisava falar mais nada. Sua presença, seu entendimento silencioso, já diziam tudo.

Por mais que quisesse se afastar, Ludmilla sabia que precisaria voltar à sala em breve. Mas, por um instante, ela se permitiu sentir algo além do sufocamento constante. Talvez, ali, ao lado de Brunna, ela pudesse encontrar uma fagulha de esperança, por menor que fosse.

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Enquanto Ludmilla respirava fundo, tentando se recompor, dentro da mansão o clima estava mudando. Xamã começava a perceber o desconforto de seus amigos. A ausência prolongada de Ludmilla estava se tornando evidente, e ele não gostava da ideia de que ela estivesse fugindo de seu "papel". Seus olhos se estreitaram, e ele levantou-se abruptamente da mesa, decidido a encontrá-la.

Mas havia algo mais que o incomodava. O comportamento de Ludmilla nas últimas semanas vinha sendo uma constante fonte de preocupação. Ela estava mais distante, mais silenciosa. E, naquela noite, mesmo após tudo o que haviam vivido na cama, ele ainda sentia uma leve resistência em suas ações, como se ela estivesse se segurando de alguma forma.

— Com licença, senhores — disse ele, com um sorriso forçado. — Vou ver onde minha esposa foi parar.

Os amigos assentiram, rindo entre si e fazendo piadas sobre a "fragilidade" feminina, mas Xamã não prestou atenção. Ele se dirigiu rapidamente para o jardim, seus passos firmes e determinados. Ele não gostava quando as coisas escapavam de seu controle, e Ludmilla estava se tornando imprevisível demais.

Ao ver Ludmilla e Brunna conversando à distância, algo dentro dele se acendeu. Uma raiva súbita, irracional, começou a crescer. Ele odiava a ideia de que Ludmilla pudesse estar encontrando consolo em outra pessoa, especialmente alguém como Brunna, uma simples empregada. Isso era inadmissível.

A noite ainda estava longe de terminar, e Xamã estava decidido a retomar o controle. Afinal, Ludmilla era sua. E ele não permitiria que ninguém, nem mesmo ela, esquecesse disso.

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⏰ Última atualização: Nov 07 ⏰

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