Perséfone observava cada movimento dele durante o sermão. Não importava o que ele dissesse. As palavras eram irrelevantes. O que realmente importava era o jeito como ele tremia, como evitava o olhar dela, como os dedos dele se cravavam no púlpito com uma força que parecia desproporcional para alguém tão... santo.
Santo. Ela quase riu.
O sermão seguiu adiante, mas tudo o que ela via era o esforço dele para não desmoronar. O maxilar tenso, os dentes — brancos e perfeitamente alinhados — cerrados, o suor escorrendo por sua têmpora. Ele mal disfarçava, o probrezinho. Ela sabia o que estava fazendo com ele. E ele também.
Ver Charlie Mayhew perder o controle era como assistir a um espetáculo em câmera lenta. Os olhos dele vacilavam, as palavras saíam mais lentas, como se ele estivesse calculando cada sílaba com cuidado para não dizer o que realmente estava em sua mente. Ele lutava. Oh, como ele lutava. E cada segundo disso fazia o coração dela acelerar um pouco mais.
Quando o sermão finalmente acabou, Perséfone manteve-se calma, paciente. Ela tinha todo o tempo do mundo. Os fiéis começaram a sair, alguns se inclinando em genuflexão ao Santíssimo, mas a maioria apenas seguia para a saída, em silêncio, sem perceber o que havia acontecido debaixo daquele teto. Mas ele sabia. Ela sabia. E logo, os dois ficariam sozinhos.
Quando o último fiel cruzou a porta, ela esperou. Pacientemente. Sorrindo internamente, seus olhos cravados nas costas dele enquanto ele fingia reorganizar as notas do sermão. Ridículo. Como se não soubesse que ela estava lá. Como se não sentisse a presença dela queimando sua nuca.
Finalmente, ele virou. E foi naquele momento que ela soube. Soube que ele já estava vencido.
— Irmã... Perséfone, não é? — a voz dele soou mais rouca do que deveria, e ela viu a hesitação em seus olhos quando ele se aproximou. Ele não queria. Claro que não. Mas não podia evitar.
Ela sorriu, deixando o som de seu nome volitar por um segundo.
— Padre Mayhew, — ela começou, suavemente, como se não fosse absolutamente intencional o modo como seus olhos escorregaram dos olhos dele para os lábios e depois para o colarinho clerical. O contraste do preto contra sua pele bronzeada era uma tentação por si só.
Ela parou diante dele, próxima o suficiente para sentir o calor que emanava de seu corpo, mas ainda distante o bastante para que ele não pudesse recuar sem parecer óbvio.
Viu os olhos dele tremerem. Mayhew tentou disfarçar, mas ela sentiu. Ele vacilou por um segundo, como se não soubesse o que fazer com o próprio corpo. Perséfone mordeu a parte interna do lábio, contendo o sorriso.
— Eu queria pedir desculpas pelo meu atraso — ela disse, com a voz baixa, quase sedutora. — Sabe como é, às vezes... certas coisas nos distraem.
Ele piscou, tentando absorver as palavras de Perséfone, como se a simples presença dela fosse demais para ele processar. Depois de ponderar um pouco, ele perguntou:
— Distraem? — O sorriso discreto que ele deu quase a fez perder o rumo por um segundo. O que era aquilo? Um padre ousando a jogar com ela?
Ela deu outro passo à frente, seu corpo agora mais próximo do dele do que qualquer outro naquela igreja havia ousado estar. O cheiro dele, misturado com o leve aroma de incenso e madeira antiga, subiu até ela, e ela teve que conter um gemido. Ele cheirava bem demais para um padre.
— Sim, distraem, — ela repetiu, provocativa. — Mas tenho certeza de que o senhor entende. Todos temos... tentações. — A palavra caiu entre eles, e ela viu o impacto que teve. A linha da mandibula dele se contraiu, e ele deu um passo imperceptível para trás.
Ele inclinou a cabeça. Algo nos olhos dele mudou. Ela viu quando os ombros dele enrijeceram, e seus lábios apertaram. Ele estava à beira de algo, e isso a divertia imensamente. Ela queria ver até onde podia ir antes que ele quebrasse.
— Tentações, irmã? Acho que você subestima minha força de vontade. — Ele rebateu, com uma voz mais grave do que antes, as palavras quase saindo por entre os dentes cerrados. Ele estava perdendo o controle, e era tudo o que ela queria.
Então, ela decidiu empurrar mais um pouco.
— Todos temos nossos limites — Perséfone murmurou, seus olhos descendo novamente para os lábios dele. — Inclusive os homens mais... devotos.
Por um segundo, ele congelou. Seus olhos fixos nos dela com uma intensidade que a fez questionar quem estava realmente no controle.
— Talvez, — ele proferiu, e a voz dele era um toque de aço. — Mas acho que você subestima o que significa devoção, irmã.
E antes que ela pudesse responder, ele deu um passo à frente, eliminando o espaço entre eles. O cheiro de incenso e calor humano a atingiu, e ela sentiu o impacto físico disso. Ele estava perto demais.
— E você? — ele continuou, com a voz baixa, como se estivesse confessando. — Você está testando seus próprios limites agora, não está?
A boca dela secou, e por um instante ela ficou sem resposta. Ele estava revidando.
— Padre, eu... — ela começou, a intenção de manter o controle escorrendo pelos dedos, mas ele não deixou que terminasse.
— Está pedindo desculpas por estar atrasada, ou está pedindo algo mais? — A pergunta veio sutil, mas afiada, e o calor que subiu pelas costas dela foi impossível de ignorar.
O silêncio entre eles se estendeu por um segundo a mais do que ela gostaria, e, de repente, Persefone sentiu o chão escapar de seus pés. Ele havia virado o jogo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
SAGRADO PROFANO | Charlie Mayhew
FanfictionEm Saint Rosalie, nada é tão sagrado quanto parece. As paredes da igreja escondem mais do que preces silenciosas - elas abafam os gritos daqueles que caem em desgraça. Padre Charlie Mayhew, com sua batina impecável e uma alma marcada por uma escurid...