capítulo 2

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Lisa despertou lentamente, sentindo o cheiro de madeira envelhecida e um leve aroma de umidade que impregnava o quarto onde estava hospedada. O lugar tinha um ar sombrio, com cortinas pesadas e uma luz fraca que mal penetrava pelas frestas das janelas. As paredes eram decoradas com fotos antigas, retratando uma cidade há muito tempo esquecida. Ao se levantar, sentiu o piso ranger sob seus pés, como se cada passo ecoasse pelo quarto silencioso.

Decidida a entender melhor sobre a cabana onde ocorreu os crimes que a trouxe até ali, Lisa saiu para explorar a cidade da ponte dos lamentos. O clima era frio e uma névoa fina pairava sobre as ruas, obscurecendo parcialmente as pontes que se erguiam imponentes sobre os canais sinuosos. A cidade parecia estar presa no tempo, como se os anos passassem lentamente por ali, sem pressa de mudar.

Ela seguiu caminhando até avistar um senhor sentado em um banco de madeira, envolto em um casaco grosso, observando o movimento quieto da cidade. Ele tinha um olhar atento, como se estivesse esperando algo ou alguém. Ao se aproximar, Lisa notou que ele segurava um cachimbo, e a fumaça subia preguiçosamente pelo ar, se misturando com a névoa.

-Com licença...- disse Lisa, hesitante. - Você poderia me contar algo sobre a cabana que fica no fim da trilha, perto do lago?

O senhor levantou os olhos lentamente, como se estivesse ponderando se deveria responder.

- Ah, a cabana... faz muito tempo que ninguém pergunta sobre aquele lugar...- disse ele, com um leve sorriso no canto dos lábios. - Mas se você realmente quer saber, é melhor se preparar para ouvir uma história que muitos preferem esquecer.

Lisa se aproximou, intrigada, sentindo um arrepio percorrer sua espinha enquanto aguardava o que ele tinha para dizer.

O velho tragou calmamente o cachimbo, soltando uma espiral de fumaça que se dispersou na névoa. Lisa se aproximou mais, sentindo a curiosidade crescer. Ele olhou para o horizonte, como se tentasse enxergar algo perdido no tempo, antes de começar a falar, sua voz rouca e lenta, carregada pelo peso dos anos.

- Aquela cabana... há muito tempo ela era apenas uma casinha simples, afastada da cidade. Um lugar tranquilo, onde os moradores diziam que podiam escapar do mundo por um tempo. Mas tudo mudou em uma noite de inverno, há décadas atrás.-  Ele fez uma pausa, tragando mais uma vez o cachimbo, como se precisasse de tempo para juntar as palavras certas.

- Uma família se mudou para lá. Gente nova, ninguém conhecia direito. Só se sabe que não duraram muito. Uma semana depois, um grito cortou o silêncio da madrugada, ecoando pelos bosques ao redor. Quando a polícia chegou, encontraram uma cena de horror... corpos espalhados, como se a própria casa tivesse se rebelado contra eles.- O velho parou e olhou para Lisa, seus olhos estreitos brilhando na penumbra. -Ninguém sabe ao certo o que aconteceu. Alguns dizem que foi um homem que vivia escondido na floresta. Outros acreditam que a própria cabana tem uma maldição. -Ele soltou mais uma nuvem de fumaça, que pareceu pairar no ar, como um fantasma flutuando. -Desde então, ninguém mais se atreveu a morar lá, porém de um tempo para cá, pessoas começaram a alugar, o William que herdou a casa... Dizem que ainda se pode ouvir sussurros vindo de dentro, como se a noite de terror nunca tivesse acabado...

Lisa sentiu um calafrio subir pela espinha enquanto o velho voltava a se calar, tragando o cachimbo como se a história fosse apenas um fragmento de um passado sombrio que ele preferia não lembrar.

Agora Lisa precisava encontrar o tal de William.

- onde o William mora, senhor?

O velho a olhou com medo.

- tenha cuidado com ele, William não é de fazer amizades... A senhorita vai achá-lo no matadouro, fica perto da floresta, é só ir reto.

O velho apontou para perto do final da cidade.

Lisa se levantou e caminhou pela cidade, sentindo o peso do silêncio que pairava sobre as ruas estreitas e desertas. As construções antigas pareciam observar sua passagem, com suas janelas escuras e portas cerradas, como se escondessem segredos que não queriam revelar. Ela estava a caminho do matadouro, um local que, segundo ao velho, ela ia encontrar o William por lá, devia ser o trabalho dele.

Enquanto atravessava uma ponte de pedra, avistou um homem parado ao lado de uma loja fechada, fumando calmamente um cigarro. Ele era alto, com uma barba rala e olhos que pareciam cansados e atentos ao mesmo tempo. Lisa deduziu ser o William. Ela falou seu nome e ele a olhou. Era o William, o homem que havia herdado a cabana e que, agora, a alugava para visitantes curiosos ou corajosos o bastante para passar a noite naquele lugar.

Ela se aproximou devagar, e ele a notou antes que pudesse dizer qualquer coisa.

Quer alugar a cabana, não é? - disse ele, sem rodeios, soltando uma baforada de fumaça que logo se misturou ao ar úmido.

Lisa parou à sua frente, observando o semblante tranquilo e desconcertante de William.

- não. Vim fazer perguntas sobre ela...-  respondeu ela.- Quero saber o que acha sobre os assassinatos que aconteceram lá. Nos últimos quatro meses, três grupos de pessoas foram encontradas mortas. Não acha isso estranho?

William deu uma risada seca, sem humor, e balançou a cabeça.

-Estranho? Talvez. Mas este lugar é estranho, não acha?- Ele virou-se para encarar a cidade por um momento, como se estivesse desafiando-a a contradizê-lo. - As pessoas falam muito, inventam histórias. Três grupos de pessoas mortas em quatro meses… É um número que assusta, claro. Mas quem pode dizer que a cabana tem algo a ver com isso? Talvez seja apenas o tipo de pessoa que ela atrai.

Lisa franziu a testa, intrigada.

-Então você não acha que há algo de errado com a cabana?

William a olhou, seus olhos escuros e penetrantes.

-Ah, eu nunca disse isso. Mas talvez o problema não esteja na cabana. Talvez esteja nas pessoas que decidem passar a noite lá.- Ele deu mais uma tragada no cigarro, sem desviar o olhar. -Eu só alugo o lugar. O que acontece lá dentro, não é da minha conta. E se você quer saber a verdade, talvez devesse perguntar à cidade. Ela sabe mais do que deixa transparecer.

Ele apagou o cigarro contra a parede e se afastou, deixando Lisa sozinha na rua. Suas palavras ecoavam na mente dela enquanto continuava seu caminho em direção ao matadouro, cada vez mais curiosa e inquieta sobre o que realmente acontecia naquela cabana esquecida.

a cabana da morteOnde histórias criam vida. Descubra agora